Citation
Correio (Portuguese)

Material Information

Title:
Correio (Portuguese)
Place of Publication:
Brussels, Belgium
Publisher:
Hegel Goutier
Publication Date:
Copyright Date:
2009
Language:
English
French
Portuguese
Spanish

Subjects

Genre:
serial ( sobekcm )

Record Information

Source Institution:
University of Florida
Holding Location:
University of Florida
Rights Management:
All applicable rights reserved by the source institution and holding location.

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Caribbean Newspapers, dLOC
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N. 10 N. E. – MARO ABRIL 2009DESCOBRIR A EUROPAUma Bomia checaDOSSIFazer a paz com a gua e a terraREPORTAGEM corrida para AngolaDESCOBRIR A EUROPAUma Bomia checaDOSSIFazer a paz com a gua e a terraREPORTAGEM corrida para AngolaC rreio

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Comit Editorial Co-presidentes John Kaputin, Secretrio-Geral Secretariado do Grupo dos pases de Africa, Carabas e Pacco www.acp.int Stefano Manservisi, Director Geral da DG Desenvolvimento Comisso Europeia ec.europa.eu/development/ Equipa editorial Director e Editor-chefe Hegel Goutier Jornalistas Marie-Martine Buckens (Editor-chefe adjunto) Debra Percival Editor assistente e produo Joshua Massarenti Colaboraram nesta edio Jeronimo Blo, Elisabetta Degli Esposti Merli, Sandra Federici, Malcolm Flanagan, Marlene Holzner, Musambayi Katumanga, Andrea Marchesini Reggiani e Joshua Massarenti Relaes Pblicas e Coordenao de arte Relaes Pblicas Andrea Marchesini Reggiani (Director de Relaes Pblicas e responsvel pelas ONGs e especialistas) Coordenao de arte Sandra Federici Paginao, Maqueta Orazio Metello Orsini, Arketipa; Lai-momo Roberta Contarini, Filippo Mantione Distribuio Viva Xpress Logistics (www.vxlnet.be) Gerente de contrato Claudia Rechten Gerda Van Biervliet Capa Espectculo de luzes nocturno na nova sede da China em frica, Luanda, Angola 2009. Debra Percival Contracapa Avano do deserto perto de Tombwa, provncia de Namibe, Angola. Massimo Pronio Contacto O Correio 45, Rue de Trves 1040 Bruxelas Blgica (UE) info@acp-eucourier.info www.acp-eucourier.info Tel: +32 2 2345061 Fax: +32 2 2801406 Publicao bimestral em portugus, ingls, francs e espanhol. Para mais informao em como subscrever, Consulte o site www.acp-eucourier.info ou contacte directamente info@acp-eucourier.info Editor responsvel Hegel Goutier Parceiros Gopa-Cartermill Grand Angle Lai-momo A opinio expressa dos autores e no representa o ponto de vista ocial da Comisso Europeia nem dos pases ACP. Os parceiros e a equipa editorial transferem toda a responsabilidade dos artigos escritos para os colaboradores externos. Parceiro privilegiado____________________ O Espace Senghor um centro que assegura a promoo de artistas oriundos dos pases intercmbio cultural entre comunidades, atravs de uma grande variedade de programas, indo das artes cnicas, msica e cinema at organizao de conferncias. um lugar de encontro de belgas, imigrantes de origens diversas e funcionrios europeus. Espace Senghor Centre culturel d’Etterbeek Bruxelas, Blgica espace.senghor@chello.be www.senghor.be C rreio www.acp-eucourier.info Visite o nosso stio Web! Onde pode encontrar os artigos, la revista em pdf e outras informaes

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ndiceO CORREIO, N 10 NOVA EDIO (N.E.)N. 10 N. E. – MARO ABRIL 2009EDITORIAL 3EM DIRECTOHashi Hagi, uma mulher para alm das divises de cls 4PERSPECTIVA 6DOSSIERACP. Propriedade das terras. Situao sofrvel. Propriedade da gua. Catastrfica.A gua em frica: Dissoluo de um bem vital 12 frica. Apesar de tudo, no h campons sem terra 14 Carabas, situao mais equitvel 17 Pacfico. Finalmente a adaptao 18 frica do Sul, Nambia, Zimbabu. Nuances nos conflitos sobre a terra 19 As grandes obras da Unio Africana 20INTERAC’ES necessrio mudar a poltica da UE para os deficientes para atingir os objectivos da luta contra a pobreza 21 Interligar a Europa e a frica 23 Os “Estados Unidos de frica” de Mouammar Kadhafi 24 A Zmbia, primeiro pas beneficirio do novo instrumento oramental da UE – o “Contrato ODM” 25 As Ilhas Salomo assumem a direco do Grupo ACP 25 Filantropia e pobreza 26EM FOCOPrimerio Plano. Um dia na vida de Cheik Oumar Sissoko 28COMRCIOAPE. “Precisamos de um mnimo de proteco” 30 Aumento das exportaes das Carabas em resposta ao desafio do APE 30 “Fairtrade” abre caminho aos produtores de bananas nas Ilhas de Barlavento 31NOSSA TERRAA medicina tradicional ganha terreno 32REPORTAGEM Angola. 2002: Ano UmUm crescimento rpido aps uma guerra prolongada 35 Aco de diversificao 37 A ajuda da CE vai desde operaes de emergncia ao reforo de capacidades 38 Participao das comunidades na gesto da gua 40 A oposio contesta o poder do governo na Assembleia Nacional 41 Os Angolanos tm de estar mais cientes dos seus direitos, afirmam as ONG 43 Pas do Imbondeiro 44 Angola reencontra o seu lugar na Histria 46DESCOBERTA DA EUROPA Uma Bomia checaA Bomia, no cruzamento entre o Oriente e o Ocidente 48 Lgrimas de cristal 49 Cooperao. Um vento fresco vindo da Europa central 50 Praga, bomia e independente 52 Uma ONG filha da “revoluo de veludo” 53 Martina, filha da Europa 53 Desfrutar de uma incrvel riqueza 54CRIATIVIDADE A frica do Sul a preto e branco 55 A vitalidade da criao africana contempornea 56 Fespaco 40. Aniversrio. Numa ptica de abertura e de excelncia 57 Maxy. Queen of Sands and African ethos 58PARA JOVENS LEITORESJovens Embaixadores da UE em frica 59CORREIO DO LEITOR/AGENDA 60C rreio A revista das relaes e cooperao entre frica-Carabas-Pacfico e a Unio Europeia

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Jrgen Schadeberg, Sophiatown (We wont move), 1955, impresso em 2006. Por cortesa de Galleria L’Ariete artecontemporanea, Bologna

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frica. Fascinao em demasia Africa parece ter sido mais bem conhecida – conhecida melhor – num passado longnquo. O reprter e explorador que foi Herdoto tinha-a abordado com a distncia requerida do jornalista ou do cientista. J nos falava de pigmeus no sculo V antes de Cristo. Mesmo se um dos seus contemporneos, Scrates, embora s tenha visitado o Egipto, o mais conhecido pela sua transmisso do saber da frica para a Europa via a Grcia, graas Apologia de Scrates, Crito e Fdo do seu discpulo Plato. Herdoto defende e ilustra, entre outras coisas, que os deuses gregos vm do Egipto e do territrio dos Etopes, que abrangia toda a parte leste de frica que ele explorou. Partiu da para nos explicar a arrogncia infundada dos Gregos transmitida Europa -, em relao s outras civilizaes. o que ele explica na sua nica obra: Histrias. “Herdoto de Halicarnasse apresenta aqui as suas pesquisas para que as obras dos homens e os seus factos no caiam no esqueci mento e, tambm, com o intuito de descobrir por que razo os Gregos e os Brbaros (ndr: sia) se combatem uns aos outros.” Em cada conflito, procurava saber “quem cometeu a primeira injustia” e conhecer as causas originais. Quem deu a conhecer o esprito de Herdoto foi um pde publicar as suas obras principais, e entre as quais aquelas que este continente lhe inspirou, Ngus ou Ebne pensa que a frica “ajudou o Novo Mundo a ultra passar o Antigo, fornecendo-lhe a sua mo-de-obra... e edificando a sua riqueza e potncia. Depois, aps se ter esvaziado... durante geraes inteiras, o conti nente, despovoado e exangue, tornou-se numa presa fcil dos colonos europeus”. Aponta ainda, como para focar melhor uma ameaa latente, a fascinao dos homens pela aura de mistrio que envolve a frica e que “devia ocultar..., um ponto avermelhado escondido nas suas entranhas...”. Como um homem poltico ou perito interpelado sobre a sua aco em frica, pode comear por responder com devoo: “Adoro a frica...”, quando tais prolegmenos pareceriam suprfluos para Israel ou os Estados Unidos. interessante esta viso cruzada de Herdoto – ram hoje que os novos Estados-Membros da UE, provenientes da Europa de Leste, sentem-se menos envolvidos em frica porque no a conhecem! As reportagens que O Correio tem feito recentemente sobre a Transilvnia ou a Eslovnia, e sobre Praga neste nmero, revelam ao contrrio uma viso profunda, perspicaz do continente africano. No outro sentido. O cinema africano por exemplo, como o mostrou o recente Fespaco, v-se e v cada vez mais o mundo sem procurar perceber a viso do outro nem de se mostrar folclrico para ele. Os progressos realizados por Angola e pela sua poltica de cooperao, menos afectada pelos tempos de outrora, mostram a veracidade deste afastamento. E tambm, como o revela o nosso dossi, o facto que frica escapa ao espectro do campons sem terra graas ao recurso mesmo mitigado -, aps a colonizao, aos seus prprios princpios tradicionais de propriedade da terra. A fascinao, tanto num sentido como no outro, s vezes excessiva. Hegel Goutier Director e Chefe de Redaco 3Editorial N. 10 N. E. – MARO ABRIL 2009

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4 S Praa do Luxemburgo em Bruxelas. Num restaurante frente s torres de vidro do Parlamento Europeu, Asha Hagi esfora-se por acabar o prato de salada. Na vspera esteve em Estocolmo para receber das mos dos deputados suecos o prmio “Right Livelihood”, mais conhecido por “Prmio Nobel Alternativo”. Um prmio que lhe foi atribudo “pelas suas aces, que permitiram s mulheres participar no processo de paz e de reconstruo no seu pas”. Aces que apesar da fadiga e da emoo ela vai apresentar daqui a uma hora aos deputados europeus. O pas de Asha Hagi? A Somlia. Pas em pleno caos, abandonado pela comunidade internacional sair da guerra civil. O combate de Asha Hagi para restaurar a paz e a democracia no seu pas j Save Somali Women and Children (SSWC) (Salvar as Mulheres e as Crianas da Somlia). “Foi a primeira organizao somaliana a ultrapassar a barreira dos cls”, diz ela e prossegue: “ao faz-lo, estvamos muito avanadas, porque as mulheres, como a maior parte da populao, anos foram muito duros e perigosos”. E Asha Hagi, que continua Presidente do SSWC, acrescenta: “Uma das primeiras coisas que tivemos de fazer, se queramos que as mulheres se tornassem embaixadoras da paz, foi dissuadi-las de apoiar a guerra! verdade, as mulheres contriburam muito para a guerra, ocupando-se de todos os aspectos logsticos. Mas no tinham conscincia que eram elas as primeiras vtimas. Perderam marido, irmos e filhos. E houve mulheres assassinadas, violadas e torturadas.”> O sexto clAps mais de dez anos de guerra civil, a espeuma conferncia para a paz e reconciliao na Somlia. “Fui convidada para participar no simpsio de preparao desta conferncia. S trs mulheres foram convidadas, trs mulheres em sessenta participantes somalianos.” Um simpsio que decide que a conferncia para a paz seria convocada com base na organizao de cls. “O que significava a excluso de facto das mulheres”. Asha Hagi decide bater-se. Obtm do Presidente de Jibuti 100 lugares para a sua delegao. “Como a participao na conferncia se baseava na organizao de cls [que conta cinco cls principais, NDR], decidimos criar o nosso prprio cl para estarmos em p de igualdade com os outros.” Nasceu assim o sexto cl.Marie-Martine BuckensHashi Hagi, uma MULHER para alm das divises de cls Hashi Hagi, uma MULHER para alm das divises de clsEncontro com o Prmio Nobel Alternativo de 2008, recompensa pelo combate de uma mulher num pas dominado por “senhores da guerra”. The Right Livelihood E m directo

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5 N. 10 N. E. – MARO ABRIL 2009 Nacional em Mbagathi (Qunia) abre um novo ciclo de negociaes que conduz assinatura de um acordo de paz. “Foi assinado por oito pessoas. Eu fui uma delas.” A Conferncia de Mbagathi permitiu igualmente progressos, como a introduo de quotas para as mulheres e a criao de um Ministrio encarregado das questes ligadas s mulheres e aos assuntos agravou-se. > Nunca desistirHashi Hagi era ento membro do Parlamento Federal de transio. Foi excluda pelos senhores da guerra, apoiados pelas tropas etopes que invadiram Mogadixo, capital do pas. Ameaada, foge do pas. “Vivo em Nairobi desde finais de Tenho uma famlia que devo proteger.” Porque esta economista, titular de um Mestrado, educa trs filhos, de 15, 11 e 8 anos. “Estiveram todos presentes em Estocolmo, ontem. Era importante para que eles se sentissem orgulhosos porque tudo o que a me fez nos ltimos anos, dias e horas valeu a pena.” Asha Hagi no esconde a fadiga e at mesmo activista da paz foi morta em Mogadixo. O meu filho disse-me nessa altura: estas pessoas faziam o mesmo que tu: quem ser a terceira? Respondi: s Deus sabe.” E Asha prossegue: “Uma noite, chamei o meu marido e os meus filhos e disse-lhes que era demasiado duro, que pensava desistir. A minha filha saiu do quarto, trouxe os vrios prmios que eu j tinha ganho e disse-me: olha para estes prmios, no te foram nunca desistas.” So quase 19 horas. Esperamo-la no Parlamento Europeu. Que dir ela aos deputados europeus e aos outros responsveis das instituies europeias com quem se vai encontrar amanh? “Que a UE deve continuar a apoiar e a reforar o apoio s negociaes de Jibuti pela paz e reconciliao na Somlia, nica esperana que temos de momento. Lano igualmente um apelo para a criao de uma verdadeira parceria com a sociedade civil somaliana. As nossas conquistas so frgeis.” Palavras-chaveAsha Hagi; Prmio “Right Livelihood”; Prmio Nobel Alternativo; Somlia; sexto cl; SSWC. PRIVILEGIAR AS INICIATIVAS LOCAIS E CONCRETASEm 1980, Jakob von Uexkll, jornalista e filatelista profissional, contacta os responsveis da Fundao do prestigioso Prmio Nobel. A sua ideia: alargar o prmio a duas outras categorias, uma consagrada ecologia, a outra s condies de vida das populaes pobres. Prope-se contribuir financeiramente. Com efeito, considerava que as categorias do Prmio Nobel (Fsica, Qumica, Medicina, Literatura e Paz) tinham um alcance muito limitado e estavam demasiado centradas nos interesses dos pases industrializados para poderem dar resposta aos desafios actuais da Humanidade. A resposta que Jakob von Uexkll recebeu da Fundao Nobel foi negativa. No mesmo ano, decide lanar o seu prmio independente, o Prmio “Right Livelihood”. Desde ento, todos os anos recompensa pessoas ou associaes que “trabalham e investigam solues prticas e exemplares para os desafios mais prementes do nosso mundo actual”. O jri, que muda todos os anos, composto de personalidades eminentes pertencentes ao mundo associativo, poltico, cientfico ou privado. Desde 1985, o prmio apresentado no Parlamento sueco na vspera da habitualmente quatro. Este ano foram quatro mulheres recompensadas. The Right Livelihood E m directo Em directo

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“ Se existe uma verdadeira lio a tirar da difcil experincia das ltimas dcadas em matria de arte de governar, claramente que no possvel a construo nacional com vocao de homogeneizao.” Esta citao de Carwford Young, Professor da Universidade de Wisconsin, aparece em epgrafe no relatrio elaborado pela deputada sul-africana Ruth Magau e pelo polaco Filip Kaczmarek. Este relatrio, Bruxelas pela Comisso dos Assuntos Polticos, foi apresentado Assembleia Paritria na sua sesso em Praga, em 9 de Abril. A diversidade em si mesma, salienta o relatrio, no constitui um problema para a democracia. Mas acrescentam que “pode surgir um conflito quando os dirigentes instrumentalizam a diversidade e fazem das minorias bodes expiatrios polticos. O desafio reside em encontrar opes que reforcem e facilitem a interaco pacfica entre o Estado e a sociedade”. A resoluo adoptada aponta algumas destas opes. Entre elas, dar prioridade a projectos contra a excluso. A resoluo insiste igualmente no papel das organizaes regionais na promoo do princpio da no discriminao. No plano educativo, os deputados so formais: preciso garantir a educao multicultural no quadro de um sistema unificado e no permitir instituies separadas baseadas nas comunidades.M.M.B. CONCILIAR DIVERSIDADE e democracia, o grande desafioA existncia de minorias, sejam tnicas, religiosas ou culturais, uma realidade comum aos pases da frica, Carabas e Pacfico (ACP) e da Unio Europeia (UE). verdade que por vezes so fontes de conflitos, mas sero por isso um obstculo democracia? No, consideram os deputados da Assembleia Paritria ACP-UE, que exortam a uma resoluo em que o direito das minorias seja colocado no centro de todos os programas de desenvolvimento. OS DESAFIOSO relatrio identifica cinco desafios a enfrentar para permitir uma integrao democrtica da diversidade: Excluso e desigualdade. O relatrio avalia em 900 milhes o nmero de pessoas que pertencem a grupos cuja participao objecto de alguma forma de excluso. Migrao. Existe o risco de este fenmeno se ampliar nos pases em desenvolvimento devido s polticas de imigrao restritivas nos pases industrializados, crise alimentar e s alteraes climticas. Construo nacional. A histria da Europa, explicam os deputados, mostra que foi preciso muito tempo para assegurar uma identidade colectiva e um sentimento de solidariedade. Portanto, o mesmo verdade para Estados cujas fronteiras foram criadas artificialmente pelo colonialismo. Da a importncia de uma integrao escala regional ou mesmo continental. Recursos naturais. O relatrio salienta o risco de conflito entre duas concepes anta gnicas do acesso terra: o que atribudo aos povos indgenas e o do Estado que abriga estas populaes. Liberdade cultural. O desafio, salienta o relatrio, est em conceber uma liberdade cultural assente em opes individuais e no na preservao das normas tradicionais (como o no acesso das mulheres aos recursos econmicos e s instncias polticas ou a mutilao sexual). 6 Homem deslocado internamente no posto de polcia de Tigoni resguarda os seus bens num autocarro quando se prepara para regressar sua terra, no Qunia. Fevereiro de 2008. Milhares de pessoas, aproximadamente seis mil, acamparam volta do posto de polcia. Allan Gichigi/IRIN P erspectiva

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N. 10 N. E. – MARO ABRIL 2009 7 O que faz no Zimbabu? Comecei por trabalhar na produo de filmes, Video Fair Trust (IVFT) para arranjar filmes sobre pessoas com baixos rendimentos, para as pessoas. Em frica, tive que fazer um pouco de tudo: fundar a organizao, criar, produzir, dirigir e promover os filmes. uma ONG ou uma empresa privada? um consrcio fundado por governos internacionais. Os nossos principais doadores so a cooperao sueca, que deu um apoio de cerca de 1 milho de dlares distribudo por trs anos, o que nos permitiu realizar filmes sobre o VIH para os pases da frica Austral. A Embaixada norueguesa foi fantstica, a ajuda canadiana tambm. A “Africalia” tambm cooperou na distribuio e promoo do cinema africano. O Reino Unido e os Americanos tambm nos deram dinheiro. H agora um conselho de administrao de cinco membros, cada um com atribuies especficas: um consultor de desenvolvimento, um jornalista, um conselheiro de boa governao, um advogado e eu prpria. O principal problema a promoo e distribuio dos filmes: produzimo-los, mas quem os v? Como a rede de distribuio j est constituda, posso voltar realizao de filmes. Sobre o qu? Eu tenho experincia na realizao de documentrios. Finalmente, gostaria de realizar longas metragens. Tenho uma proposta, mas no fcil encontrar o dinheiro necessrio. Procurei mobilizar 150.000 euros da CE do oramento destinado a filmes ACP para um filme de longa metragem, mas no foi possvel aceit-lo porque no consegui angariar o resto do dinheiro necessrio. O texto do filme, “Echoing Silences” trata da luta pela libertao (em frica). Gira volta do trauma que afecta qualquer pas que entra em guerra. Nunca uma boa ideia entrar em guerra, mas, naturalmente, quando se entra, tenta-se justificar a crueldade de matar pessoas. Trata-se de um trauma que no foi tratado de forma consciente. Ser que as pessoas sofrem mais agora, que vivem em bairros, do que antes, quando granjeavam o apoio da colectividade? O filme trata de um jovem que, no final da dcada movimentos de libertao africana], estudante universitrio na Rodsia regressa ao pas para encontrar uma famlia rodesiana saindo do lugar PENSAMENTOS NACIONAIS de uma zimbabuense no FESPACO Charity Maruta uma cineasta zimbabuense que criou o International Video Fair para distribuir filmes no continente sobre cidados africanos. Entrevistmo-la no incio de Maro como estreante no Festival Pan-Africano de Cinema e Televiso de Uagadugu (FESPACO), onde era convidada da organizao cultural e artstica belga, “Africalia”. Falou de problemas de angariao de fundos para produzir filmes em frica e abordou a situao no seu prprio pas. Hegel Goutier Mulheres e crianas no Hospital Santo Alberto (a 200 km a norte de Harare, Zimbabu) em terapia farmacolgica, graas ao apoio da ONG italiana Cesvi (www.cesvi.org). Cesvi Perspectiva

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8 onde viveu durante anos. Decidiu aderir luta em Moambique. Os outros companheiros de luta pela liberdade vm de um meio rural, ao passo que ele, que instrudo, tem livros e deseja ensinar outros a ler e escrever, duplamente torturado. Mas o comandante do campo militar sente-se ameaado por ele por no ter instruo. Naturalmente, os dois tornaram-se inimigos naturais. Eu penso que o povo africano, esteja ou no em guerra, est traumatizado porque vive em condies extremas. H falta de gua, de alojamentos e de bom ensino. Encontramos pessoas que no tm conhecimento do seu lugar no mundo do trabalho. Ando procura de um produtor internacional que goste da histria e me permita realizar o oramento (1,5 milho de dlares). O guio est pronto em francs e ingls, mas fica na gaveta enquanto no arranjar o dinheiro necessrio. Presentemente, a sociedade civil do Zimbabu dinmica? muito dinmica. Penso que nos tornmos cada vez mais fortes. Cada tipo de organizao da sociedade civil est a examinar todas as situaes no pas e a document-las, incluindo os “Mdicos para os Direitos Humanos”, por exemplo. A nossa luta de libertao a luta de libertao mais documentada de sempre. Mas a rede no s no Zimbabu. Fora, as pessoas examinam as questes do ponto de vista do direito internacional. A imprensa internacional destaca o abismo entre a oposio e os apoiantes do Governo... Devido ao que passmos, no temos a menor saudade desse tempo. Olhamos para a situao com os olhos arregalados. A minha prpria opinio que somos um povo. A meu ver, Robert Mugabe o pai de Morgan Tsvangirai. um assunto pai/filho e precisamos dessa troca de opinies. Na cultura africana, no nos devemos opor s pessoas mais velhas: uma questo de respeito. Dizem-nos o que fazer e fazemo-lo. Com a minha me, passa-se o mesmo. Tive que me opor um pouco, mas de forma construtiva: voc minha me, mas h um limite a no ultrapassar. No Zimbabu, penso que o que se passa que a nova gerao ousa desafiar a gerao mais idosa. Podemos e devemos dar a nossa opinio, mas devemos tambm ouvir um pouco a gerao mais idosa. O que queremos dizer que, embora sejamos jovens, temos uma palavra a dizer. As coisas esto ms em casa, mas h uma grande infra-estrutura e porque estamos a trabalhar muito, encontrmos empregos na regio (vizinhos do Zimbabu). Gerimos o sector hoteleiro na frica do Sul e as corporaes preferem-nos porque somos altamente qualificados e profissionais. As mulheres comerciantes transfronteirias mantiveram a economia zimbabuense viva nos ltimos dez anos. Elas podem trabalhar na rua, mas podem ter uma linda casa com trs assoalhados num terreno de meio acre devido ao nosso trabalho rduo tico. Qual a sua opinio sobre a imagem da imprensa ocidental relativa ao Zimbabu? Muito do que se diz verdade, mas devido forma como a imprensa internacional compila as notcias hora a hora, nunca se obtm um contexto global da histria – apenas retalhos. Veja a situao da clera no Zimbabu, por exemplo. Sim, h clera no pas, no houve governo durante mais de um ano e as nossas infra-estruturas esto a sofrer. Mas um canal internacional de notcias relatou recentemente um caso de um beb adormecido num relvado. O beb no estava doente – a me estava a trabalhar num campo ali ao p. No entanto, como a pea era relativa clera, associaram-na com um caso de guas fecais. Eram imagens sem relao uma com a outra. Tnhamos um nvel de vida muito elevado com potencial para nos tornarmos na “Sua de frica”. Antes, para muitos, Robert Mugabe era um heri. Chegou a altura de outra pessoa o substituir porque ele no o nico zimbabuense brilhante.Para mais informaes, consultar o stio web: www.videofair.org.zw Entrada principal do Hospital Santo Alberto, onde a Cesvi lanou, em 2001, o seu programa “Fermiamo l’Aids sul nascere” – um programa destinado a evitar a transmisso do VIH/SIDA de mulheres grvidas a crainas nascituras. Cesvi Perspectiva

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Conhecida pela sua franqueza e respeitada pelos pases de frica, Carabas e Pacfico (ACP), Glenys Kinnock no a nica – na Assembleia Parlamentar Paritria (APP) – a abandonar a cena poltica europeia por razes de idade: o mesmo acontecer com a italiana Luisa Morgantini, o alemo Jurgen Schroeder, o britnico John Bowis e o dinamarqus Olle Schmidt. Esta a nica certeza. Ser preciso aguardar o ms de Setembro para conhecer a composio das diferentes delegaes, quando o novo Parlamento Europeu criar as suas ACP da Assembleia Paritria, mudam em funo do seu calendrio eleitoral nacional e no tm portanto a certeza de continuar durante os cinco anos de investidura do Parlamento Europeu. Com excepo no entanto dos parlamentares ACP membros da Mesa da APP e das trs Comisses permanentes (Assuntos Polticos, Econmicos, Sociais e do Ambiente), que muda de dois em dois anos. A prxima durante a 18. sesso da APP que se realizar em Angola. M.M.B. REDISTRIBUIO DE CARTASno Parlamento EuropeuEm Junho, 492 milhes de eleitores dos 27 Estados da Unio Europeia vo s urnas para eleger os seus representantes no Parlamento Europeu. altura para refrescar as listas das Comisses Parlamentares. Ser este o caso, em especial, da Comisso para as Questes do Desenvolvimento, em que a combativa Glenys Kinnock, igualmente copresidente da Assembleia Paritria ACP-UE desde 2002, parte para a reforma.Musambayi Katumanga* Colapso em termos cvicos NO QUNIA No final de Dezembro de 2007, as eleies presidenciais no Qunia foram marcadas por confrontos sangrentos durante os quais viriam a morrer 1500 pessoas e outras 300.000 seriam deslocadas. Alguns meios de comunicao social, agitando o espectro do genocdio ruands, no hesitaram em falar de dio tnico, enquanto outros se concentraram nas consequncias polticas e econmicas da crise. Vejamos as razes profundas que agitaram este pas africano e traumatizaram uma comunidade internacional desde h muito satisfeita com a estabilidade poltica no Qunia.N. 10 N. E. – MARO ABRIL 2009 9 Um menino a brincar com pistolas de lama no bairro de lata Mathare, Nairobi. O Mathare Valley um dos cinco maiores bairros de lata de Nairobi, no Qunia, e um dos mais perigosos. Manoocher Deghati/IRIN Perspectiva

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10 O Qunia submergiu no caos que levou sociedades a desmoronaremse com violncia e as instituies internas de segurana do Estado foram foradas at aos limites desde a declarao do “vencedor” das eleies realizadas em decapitao do Estado que levou a este drama, temos de recordar aquilo que Leonard Binder descreve como a crise do Estado-Nao, a que muitos Estados africanos, incluindo o Qunia, no conseguiram dar resposta e em vez disso acalentaram desde a independncia. Podem distinguir-se cinco formas desta crise. A primeira a crise das instituies. No caso do Qunia, manifesta-se pela existncia de nveis reduzidos de infra-estruturas sociais e econmicas profundas no Estado. O efeito disto observa-se na incapacidade do Estado para se libertar do capital improdutivo e criar ao mesmo tempo a sustentabilidade daquilo a que intelectuais como Thandika Mkandawire chamam “economias de trmitas”. O resultado que muitas comunidades esto retidas nos seus espaos tnicos. A crise das instituies tambm se manifesta na reduzida capacidade do Estado para dominar instrumentos de violncia a fim de fazer respeitar a lei e a ordem. Vastas zonas do Estado queniano, em especial, foram abandonadas ao controlo de grupos de milcias organizados. A segunda a crise da distribuio e afectao dos recursos pelos vrios grupos sociais. Um dos recursos mais crticos numa sociedade predominantemente agrria como o Qunia a terra, que sempre esteve no centro dos conflitos neste pas. A crise da terra tem origem na alienao violenta de terra que criou a situao sem terra que ainda prevalece. A terceira a crise de participao patenteada na incapacidade do Estado em criar o capital democrtico necessrio para facilitar o benefcio dos direitos socioeconmicos e polticos essenciais para a participao dos cidados. No Qunia esta situao agudizou-se com a incapacidade da elite poltica para estabelecer consensos e com os nveis elevados de tendncias para a desinstitucionalizao. Note-se que em “formaes” que se apelidavam a si prprias de partidos polticos. Quarta, a crise de identidade, que se manifesta na incapacidade do Estado para desenvolver um sentimento forte de pertena nao, atendendo ao sentimento generalizado de marginalizao. Este factor continuou a animar uma certa esquizofrenia poltica. Embora a elite do Estado tenha pretendido criar a base da nacionalidade, a nvel prtico no hesitou em utilizar o seu poder para distribuir liberalidades com base em consideraes tnicas. Tudo isto foi facilitado pela utilizao de estruturas como os cartes de identidade nacionais que realam a etnicidade e a regio de origem. No final acabaram por reforar uma situao em que tanto o Estado como a identidade tnica contestam o acesso e o controlo da lealdade dos cidados. A quinta forma da crise a incapacidade do Estado para desenvolver formas alternativas de gesto e de resoluo de conflitos. Um ano aps a violncia poltica, qual a sua opinio sobre a Grande Coligao? A Grande Coligao falhou o teste da liderana. As tentativas de construo do Estado aparentemente acabaram devido paralisia da direco caracterizada pela fraca vontade poltica e coragem perante as responsabilidades e pela pouca competncia instrumental. No conseguiu ultrapassar as tarefas fundamentais das agendas ps-eleies mediadas por Kofi Annan: uma nova lei constitucional, a questo agrria, a facilitao da reconciliao nacional, o tratamento da impunidade e a corrupo. Quais so os principais desafios futuros para Raila Odinga e para Mwai Kibaki? Os principais desafios para Kibaki e Odinga giram em torno da necessidade de resolver a actual crise do Estado. Tm de reestruturar o Estado para impedir que caia sob as “actividades prfidas” de polticos e de actores no estatm de elaborar respostas institucionais, polticas e programticas para a marginalizao, a pobreza e os conflitos de terras. Os dois lderes tambm tm de instituir um novo quadro poltico para dar resposta a um sentimento generalizado de excluso e de ‘patrimonialismo’ atravs de uma nova constituio. Esta deve dar relevo a um sistema de equilbrio e de separao de poderes, ao bicameralismo e descentralizao de poderes. A democracia queniana continua ameaada por choques tnicos? A ‘democracia’ queniana est sob a ameaa dos interesses pessoais da elite dirigente. Eles continuam a saquear o capital crtico do Estado pela instrumentalizao da etnicidade e da violncia numa tentativa de conservar o poder. Por sua vez, isto implica a etnicizao das instituies do Estado, a consolidao do regime e a excluso, a privatizao da violncia pblica e a apropriao da violncia privada. Joshua Massarenti QUNIA: “O falhano da GRANDE COLIGAO ”Para pr fim violncia que mergulhou o Qunia em sangue durante as eleies presidenciais de 27 de Dezembro de 2007, o Presidente cessante e vencedor contestado Mwai Kibaki e o seu opositor Raila Odinga assinaram, em 28 de Fevereiro de 2008, um acordo de partilha de poder que atribua ao lder do Movimento Democrtico Laranja (ODM) o direito ao cargo de Primeiro-Ministro. Foi a certido de nascimento da Grande Coligao. Um ano mais tarde, o analista poltico queniano Musambayi Katumanga descreve um quadro bastante mais negro. Perspectiva

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11 N. 10 N. E. – MARO ABRIL 2009 A evoluo da propriedade fundiria nos pases ACP no to grave como se poderia imaginar, apesar dos conflitos da terra aqui ou ali. A frica, por exemplo, escapa geralmente ao espectro do campesino sem terras, salvo raras excepes, caso de migrantes ou deslocados, como no Sudo ou em pases da frica Austral que viveram os horrores do apartheid. O dossi revela-nos que o regime de propriedade da terra na frica Subsariana baseia-se numa concepo hoje moderna com a nova tendncia para melhor reconhecer o valor do trabalho aps o cataclismo financeiro mundial. Porque neste continente, o que de facto pertence ao homem da terra unicamente o fruto do seu trabalho. O Pacfico est a curar-se do traumatismo provocado pelo aambarca mento pela colonizao do solo considerado sagrado. Nas Carabas, o choque era outro. Os filhos dos escravos vindos de frica s puderam verdadeiramente possuir terras com a autonomia e a independncia. As situaes evoluiro em sentido positivo no que diz respeito ao acesso pelo maior nmero propriedade fundiria. Em contrapartida, no h optimismo nenhum quanto apropriao de um outro bem to fundamental, seno mais, para a vida que a gua. Sobretudo em frica, onde, por mais paradoxal que parea, no h propriamente falta de gua, h misria, injunes vindas de algures e a falta de concertaes regionais que impedem a sua fruio normal. H.G. D ossier Dossier elaborado por Hegel Goutier Bacia do Rio Nilo. Jacques Descloitres, MODIS Land Rapid Response Team-NASA GSFCACP Propriedade das terras. Situao sofrvel.ACP Propriedade das terras. Situao sofrvel. Propriedade da gua. CATASTR”FICA .

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Professor Petrella, disse que necessrio fazer a paz com a gua, agindo nos dois sentidos. Qual a guerra travada pela gua ou com a gua nos pases pobres como os ACP? necessrio libertar a gua existente e torn-la acessvel s populaes. Em frica, existem mais de 400 milhes de pessoas sem acesso gua. No que a frica subsariana tenha falta de gua, pelo contrrio, at existe em grandes quantidades. Mas porque, juntamente com a ndia, possui o maior nmero de pessoas que vivem abaixo do limiar da pobreza. necessrio lutar contra a explorao das riquezas hdricas de frica apenas em funo dos interesses dos mais potentes. O Lago Vitria, por exemplo, era uma jia da natureza, um patrimnio extraordinrio que gerou muita riqueza com a cultura das percas do Nilo. Mas os africanos que necessitavam do dinheiro do lago foram empobrecidos e morrem fome. Em contrapartida, toda a riqueza distribuda para outros stios, para os accionistas que exploram o lago, o qual est a ser assassinado do ponto de vista biolgico. a segunda dimenso da guerra ou da paz pela gua. No ser mais uma responsabilidade dos poderes locais do que dos accionistas? Sem dvida, mas em qualquer anlise cientfica rigorosa, preciso primeiro procurar as causas primrias e existem muitas outras causas complementares. A causa primria do problema da gua e do modo como a gua foi utilizada est ligada ao comportamento das potncias ex-coloniais. A seguir, vem muitas vezes a responsabilidade das classes dirigentes locais que se encontram numa posio de subordinao, de submisso, de dependncia em relao s ex-potncias coloniais. As classes dirigentes africanas so tambm, por vezes, responsveis A GUA EM FRICA. Dissoluo de um bem vital.O seu “Manifesto da gua” esteve na base da fundao, em 1997, do Comit Internacional para um Contrato Mundial da gua. o criador da Universidade do Bem Comum, encontrando-se em Itlia a “Faculdade da gua” e na Blgica a “Faculdade da alteridade”. Professor convidado da Universidade de Louvain, Blgica, Doutor Honoris Causa por vrias universidades, ex-director do Centro Europeu de Coordenao de Investigao em Cincias Sociais (Viena, ustria), ex-presidente do Aqueduc des Pouilles (Itlia), Fundador do Grupo de Lisboa. Conversa com Riccardo PetrellaACP Propriedades terra e gua Dossier 12 Rio Nilo no Sudo. Jacques Descloitres, MODIS Land Rapid Response Team-NASA GSFC

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N. 10 N. E. – MARO ABRIL 2009 13 ACP Propriedades terra e gua pelo facto de a frica permanecer numa crise profunda de acesso aos bens da natureza, apesar de possurem riquezas que lhes permitem no viver na excluso. Outra questo: Em que que incidiu a ajuda internacional com as milhares de organizaes no-governamentais motivadas por pessoas cheias de bons princpios e intenes? Cada pequena organizao vai construir o seu pequeno poo, a sua pequena canalizao, a sua milhares de projectos dos quais supostamente a frica foi a feliz contemplada. A sua situao no melhorou por isso. O que ser que vai acontecer no futuro? Daqui a trinta, cinquenta anos, o rio Nger ir desaparecer. Existem 8 pases sua volta. O Nilo vai sempre permanecer uma fonte de conflitos. O Congo, quem fala dele como uma fonte de bem-estar? Existe a Iniciativa gua da Unio Europeia mas o GIEC (Grupo Intergovernamental de Peritos sobre a Evoluo do Clima) acaba de referir que os sistemas aquticos africanos esto enfraquecidos e a situao ir piorar cada vez mais. Se considerar as previmos que iro influenciar a evoluo da gua no mundo, e em frica principalmente, so por um lado a seca e por outro as inundaes. Nos ltimos vinte anos, Londres investiu cerca de mil milhes para se proteger contra as inundaes, mas no existem inundaes em Londres. Onde esto os milhares gastos para proteger a frica e as cidades africanas contra as inundaes? ou seja, o PIB mundial. Nos Pases Baixos, era tes, na frica do Sul, o pas mais rico de frica Pases Baixos. O que faz falta, uma governana mundial? A aposta fundamental da soluo da crise que tnhamos inventado um modo de vida que predador da vida, que matou a vida. A esperana de a crise financeira, mas essa esperana comea a enfraquecer consideravelmente. Vamos ver o que ir acontecer em Copenhaga, em Dezembro deste ano, onde deve ser negociado o acordo ps-Quioto. Nenhum Estado africano conseguir resolver o problema da alimentao se a questo da agricultura no for revista. Os Estados africanos pertencem aos pases cujo acesso gua depende de territrios vizinhos. Tm de colaborar entre eles. Os Estados Unidos tambm esto dependentes da gua que se encontra noutros stios, mas bvio que iro buscar gua recorrendo dessalinizao da gua do mar. Facto interessante, os Estados Unidos e perao sobre as suas bacias comuns desde h uma centena de anos. Em frica onde cinquenta e trs bacias so regionais, houve 19 tratados transnacionais. tempo de dar lugar ao direito internacional, ao direito cooperativo, ao direito transnacional, s instituies transnacionais, aos programas de desenvolvimento em comum. Estabelecer um acordo sobre os recursos significa estabelecer um acordo sobre os objectivos, ou seja, sobre a valorizao em comum de um recurso que ir beneficiar toda a gente em vez de utilizar recursos militares, econmicos e humanos para travar guerras locais. 5Antes em frica, existia o contexto da aldeia mas no podemos idealizar, existiam privilgios. Mas tambm verdade que o facto de partilhar recursos hdricos era um acto colectivo. Agora, impusemos frica o princpio da condicionalidade pelo qual foi dito ao Qunia, ao Senegal, a todos os outros Estados de frica quando lhes concedido um emprstimo pelo Banco Mundial que devem pr de lado a burocracia corrupta e abrir a gesto dos seus servios hdricos concorrncia internacional. Fomos ns que impusemos isto, as grandes empresas francesas, as grandes britnicas, as duas principais potncias coloniais em frica com Portugal e Espanha. Ser que os africanos so mais corruptos do que os outros? Sabemos muito bem que se h corrompidos porque houve corruptores. Os corruptores somos ns e no eles. Se queremos que haja condies para que a frica tome o seu destino nas suas mos, tempo de a Europa se afastar um pouco. A segunda forma de ajudar a frica consiste em mudar o nosso desenvolvimento, a nossa agricultura, a nossa poltica da gua, a nossa poltica de transporte, a nossa poltica energtica. Ento o Estado importante. A “republicizao” da gua, dos servios hdricos fundamental. E a, discurso com outras pessoas – para fazer a paz com a gua – com M. Gorbatchev, para um protocolo mundial sobre a gua. No podemos pensar apenas na responsabilidade dos Africanos, a da comunidade mundial que est em causa. por essa razo que estamos igualmente gratos ao Parlamento Europeu graas ao qual a Europa se deu conta que no estamos face a uma crise momentnea. A gua consta pouco a pouco da agenda poltica mundial. preciso organizar a vida atravs da gua, in solido, por solidariedade e no por esmola. In solido, sou responsvel, um conceito jurdico. No sou necessariamente optimista, apesar de ser profundamente voluntarista. Fao parte daquela categoria de pessoas que tenta agir para que o futuro no esteja j escrito, que ainda seja livre. Creio firmemente na capacidade do poltico, na nobreza do poltico. Ele deve escrever as grandes orientaes da poltica da gua em funo do que ela representa enquanto bem comum e para a vida. H.G. Riccardo Petrella 2009. Hegel Goutier Alain Guy Moukolo Monny, alias, Almo The Best, Camares. Este desenho animado foi realizado para ilustrar o kit didctico “Schizzi d’acqua” (www.amref.it). Cortesia de AMREF Palavras-chaveRiccardo Petrella; Manifesto da gua; Universidade de Louvain; frica; Nilo; Congo; GIEC; Estados Unidos: psQuioto; Hegel Goutier.Dossier

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Na frica subsariana, a ocupao da terra evoluiu sob a colonizao do colectivo para o privado com uma sobreposio de prticas tradicionais e de legislao formal que perdurou aps as independncias. A partir dos anos 80, ocorreram os ajustamentos estruturais, sendo necessria a privatizao dos bens fundirios. Tudo isto levou ao aparecimento de tenses ou de conflitos locais ou regionais, sendo que alguns ainda esto para eclodir. A crise alimentar e a crise econmica actual levam a privilegiar opes que permitam uma melhor harmonia entre a tradio e a legislao moderna. Na frica, a explorao do solo passou de um modelo de mobilidade do cultivador de um terreno para o outro a um modelo de sedentariza o. Paralelamente, a ocupao da terra, com variaes de uma regio para a outra, evoluiu do colectivo para o privado. A frica abrangida pela propriedade colectiva foi a do sul do Sahara, onde as influncias muulmanas no tiveram um grande impacto. A posse de terras na frica subsariana baseia-se numa concepo filosfica e cosmognica. A terra no pertence a ningum. Provrbio marfinense: “No a terra que pertence ao homem, mas o homem que pertence terra.” No entanto, na prtica, existiram e continuam a existir vrios sistemas. Dito isto, a concepo africana no rejeita a proprieda de plena e completa da rvore que o cultivador plantou, na medida em que o fruto do seu trabalho ou do trabalho dos seus antepassados. A aquisio de terra no mundo africano podia efectuar-se com base na residncia na comunidade. O indivduo obtinha a terra junto do Chefe. Mas trata-se apenas de um usufruto. Era a situao mais comum.FRICA DE TUDO SEM TERRAApesar DE TUDO no h campons SEM TERRA ACP Propriedades terra e gua Dossier 14 Homem a tirar gua de um poo pouco profundo, cavado mo, para irrigar a sua cultura de beterraba que cresce numa parcela de terreno aluvial frtil entreedifcios no Rio Nger, no centro de Bamaco, Mali. Fevereiro de 2008. Tugela Ridley/IRINEm baixo Agricultor a regar as suas culturas, Senegal, Agosto de 2006. Pierre Holtz/IRIN

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Em algumas regies, nomeadamente na frica austral, as linhagens, descendentes de um antepassado comum que se teria apropriado ou recebido terras, administram-nas em proveito dos seus membros. Este sistema cujas origens so longnquas , por exemplo, o sistema das populaes do Noroeste da Zmbia atravs da matrilinearidade, das margens do lago Tanganika onde a patrilinearidade comum, ou da regio do Tigre na Etipia onde os homens e as mulheres da mesma linhagem dispem de um direito igual. Contudo, desapareceu com o regime do apartheid na frica do Sul e nos regimes semelhantes na Nambia ou no Zimbabu. Ao lado destes sistemas, existem aqueles onde os “chefes de terra” ou “donos de terra”, sob a obedincia de um soberano, beneficiam de extensas prerrogativas relativamente gesto fundiria. a situao tpica de estrutura semi-feudal do actual Burquina Faso que existia antes da colonizao no imprio Mossi. Os servos obtinham terras que os seus filhos (filhos vares apesar de ser um sistema matrilinear) podiam herdar. E, finalmente, existe o sistema feudal com os landlords (locadores), nobres, aristocratas, generais e chefes religiosos que rece beram terras do imperador, concedendo arrendamentos a tomadores em troca de taxas diversas que abrangiam muitas vezes metade das colheitas (exemplos do Uganda ou do Sul e do Oeste da Etipia a partir do final do sculo XIX). Com a colonizao, ocorreu, sob diversas formas, uma confiscao fundiria brutal em proveito de indivduos, os colonos europeus. Esta apropriao aconteceu sob a fora de leis duvidosas que no elimi navam as normas tradicionais mas tambm no as integravam. Foi principalmente o caso na frica austral e oriental (Zmbia, Zimbabu, Malavi, Qunia). Mas na maior parte dos pases, ao lado do fundirio DE TUDO SEM TERRAApesar DE TUDO no h campons SEM TERRA 15 N. 10 N. E. – MARO ABRIL 2009ACP Propriedades terra e gua Em cima: Estufa de cebolasno Senegal LybabaEm baixo: Vista do Rio Cuanza em Quissama (Angola). Cortesia de Massimo PronioDossier

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16 SENEGAL, UMA BOA MISTURA DE TRADIO E DE LEGISLAO duziu nada mais, nada menos do que por uma nacionalizao de 90 % das terras. Enquanto que nos pases vizinhos a passagem das terras no cultivadas sob a tutela do Estado levantou movimentos de indignao que levaram frequentemente ao abandono das reformas. A palavra “nacionalizao” nunca foi pronunciada pelo governo senegals. A “prudncia” do governo senegals da altura: uma mudana utilizando os costumes como pontos de referncia. O agrupamento sob o controlo do Estado de todas as terras geridas no passado pelo costume, mas a sua distribuio continuaria a seguir um esquema consuetudinrio. Tornando-se o Estado uma espcie de grande dono da terra, este podia geri-lo de acordo com as previses do Plano ministerial. Ningum, teoricamente, perdeu neste emparcelamento os seus direitos consuetudinrios ao usufruir dos seus bens fundirios. nas mos dos colonos, a terra continuava a ser totalmente gerida segundo as leis consuetudinrias. No final do sculo XIX, a colonizao deu-se conta tardiamente que no existe propriedade privada da terra na frica subsariana. O sistema colonial imps ento o registo das propriedades, quase em todo o lado. Este registo revelou-se irrealista ou inconcebvel numa larga escala apesar das leis de adaptao aprovadas aps as independncias. A UN Habitat considera que em 1998, apenas 1 % das terras da frica subsariana estavam registadas. Muitas vezes, os prprios governos no tm uma ideia precisa da situao actual. Mas a presso externa relativamente comercializao da terra crescia cada vez mais e, em muitos dos novos Estados independentes, foi bem acolhida por poderes autocrticos que erigiram grandes propriedades estatais. Durante muito tempo, instituies como o Banco Mundial apresentaram injunes aos Estados africanos para que concedessem terras aos particulares e s empresas. Deviam imperativamente proceder ao registo dos bens fundirios, o qual se tornar uma condio sine qua non dos planos de ajustamento estruturais. O que no tomava em considerao alguns efeitos perversos. A apropriao das terras pelo Estado levou a um afastamento das autoridades tradicionais. O processo de registo teve de enfrentar a reticncia dos ocupantes legtimos em pagar despesas avultadas ou ao evitar preocupaes administrativas para registar terras das quais j tinham o usufruto. Para alm de que temiam por vezes certas jiga-jogas para lhas tirarem. Sem esquecer que tudo isto era contrrio sua concepo do solo sagrado. Apesar do registo ter garantido o direito por vezes mal definido de pequenos ocupantes, foi tambm muitas vezes o incio de uma privatizao em maior escala em proveito de dspotas e de grandes empresas. O mal-estar actual em Madagscar, aps a concesso de um vasto territrio a uma empresa asitica, um exemplo edificante.> Um flagelo do qual a frica ainda est a salvoHoje em dia, vrios pases de frica imple mentam pouco a pouco adaptaes legislativas que conduzem a uma mistura entre concepo africana da posse do solo e concepo europeia tomando com base a noo romana de propriedade absoluta de uma coisa. Tendo as derivas autocrticas acabado, a maior parte dos pases de frica j evoluem num sistema misto no qual a gesto tradicional das terras acompanhada de algumas medi das administrativas de registo, frequentemente implementadas para cumprir com as injunes externas. Apesar das suas fraquezas, estas solues intermedirias at funcionam bem e fazem com que a frica, excepto alguns casos raros na frica austral, seja o nico continente que no conhea o que chamamos um campons sem terra. Um flagelo do qual ainda est a salvo. H.G. UMA CONCEPO MUITO MODERNA EM TEMPOS DE CRISEInvestigadores como Alain Testart ou Kba Mbaye (Revista Ethiopique) demonstram que a concepo africana segundo a qual a terra no pertence a ningum partilhada com outras culturas e religies, a comear pelo Levtico na Bblia. A diferena que em frica, apenas o valor trabalho justifica a aquisio de bens. Um conceito preconizado nestes tempos de crise financeira por grandes economistas como Jacques Attali. Palavras-chaveHegel Goutier; Alain Testart; Kba Mbaye; terra; posse; propriedade; fundirio; frica; “dono da rvore”; “chefe da rvore”; registo; apartheid; colonizao.Pgina 17: Haiti, 2008. Mark Roger AS MULHERES PRIVADAS DE TERRASOs homens confiscam as terras. Apesar de as mulheres representarem mais de metade da populao da terra e produzirem cerca de dois teros dos bens alimentares dos pases pobres, apenas possuem para a alimentao e a agricultura). Esta situao causada, segundo Francis Cheneval, no seu Relatrio para o PNUD “Empowering the poor through property rights”, pelas discriminaes legais contra as mulheres em termos de propriedade, pela predominncia do patriarcado e pela mistura provocada pela colonizao entre o disposto na tradio e no direito formal. Juntamente com outros parceiros, a UN Habitat elaborou critrios para avaliar os instrumentos implementados pelos governos para favorecer a apropriao das terras pelas mulheres. O exemplo da Etipia onde os registos e as certificaes de terra foram implementados desde 1999 significati vo. Uma das medidas positivas a certificao em nome do marido e da mulher em muitos pases.ACP Propriedades terra e gua Dossier

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N. 10 N. E. – MARO ABRIL 2009 17 Nos pases anglfonos, desde muito cedo foi implementada a “Common Law” britnica. A Coroa atribuiu concesses de durao ilimitada (freehold) ou a prazo (leasehold) a colonos, as quais supostamente deveriam ser para usufruto e se tornaram na realidade propriedades absolutas. Os bens fundirios estavam concentrados nas mos de uma minoria e vastas reas permaneciam propriedade da Coroa ou do pas. excepo da Trindade e da Jamaica, estes pases no tinham muitas terras disponveis. Aps a independncia que ocorreu em meados do sculo XX, surgiram dois movimentos conexos, um remembramento que permitiu a um maior nmero (sobretudo camponeses pobres) ter acesso, a ttulo gracioso ou a baixos custos, propriedade da terra, ou seja, um aumento do nmero de parcelas e paralelamente um agrupamento das terras em grandes propriedades, destinado nomeadamente indstria do acar. Em Trindade e Tobago, existiam, por volta do 1980, a indstria era dominada por uma nica sociedade Caroni Sugar Company, controlada em 51 % pelo Estado. Nessa altura, foram maiores registavam uma mdia de 400 hectares. Este pas sempre teve um sistema equitvel em matria de propriedade fundiria. Na Jamaica, Guerra mundial s companhias de bauxite. Em de grande dimenso com vista a promover a agricultura. Catorze por cento das terras arveis foram redistribudas. No final da dcada de 80, 90 % das quintas ocupavam uma superfcie mxima de 4 hectares e eram detidas por 155.000 agricultores enquanto que o nmero reduzido de grandes propriedades atingia uma A Repblica Dominicana o pas com maior disparidade e o nico da regio em que existem camponeses sem terra. Por um lado os minifndios e do outro os latifndios. A “latifundizao” ocorreu principalmente com o ditador Trujillo aps 1948, para criar dois imprios do 55 % das terras cultivveis. Uma redistribuio das terras nos anos 80 em proveito de cerca de a diferena entre pequenas e grandes propriedades. Relativamente ao Haiti, a sua histria faz com que seja uma excepo. As terras dos antigos colonos passaram a ser controladas pelo Estado aps a guerra de independncia que terminou casos a ttulo de usufruto extensvel aos herdeiros. Regularmente, o Estado transforma estes % dos camponeses so proprietrios das suas trios ausentes. Outros so rendeiros (das “duas metades”) que entregam metade da colheita aos proprietrios. Algumas cooperativas de camponeses detm igualmente uma pequena parte das terras. H.G. CARABAS , situao mais equitvel.De um modo geral, nas Carabas, a posse fundiria foi implementada em territrios virgens aps o desaparecimento quase por completo dos Amerndios, algumas dcadas aps a chegada de Cristvo Colombo. Foram observados trs esquemas de evoluo, os quais conduziram respectivamente situao actual nas Carabas anglfonas, na Repblica Dominicana e no Haiti. Palavras-chaveHegel Goutier; Carabas; posse; propriedade; terra; Haiti; Repblica Dominicana; Jamaica; Trindade; latifndio; minifndio.ACP Propriedades terra e guaDossier

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A concepo tradicional do regime de propriedade da terra nas ilhas do Pacfico to cosmognica como em frica. A terra e a tribo constituem uma mesma entidade que forma um tringulo que tem como outros plos o homem e Deus. A transformao gerada pela apropriao das terras no tempo da colonizao forada (1850-1914), com deslocaes em massa das suas populaes, foi traumatizante. A independncia da maior parte dos pases ocorreu tardiamente, no final do sculo passado. Hoje, a regio procura criar mecanismos que permitam atenuar os estragos. Entre os pases ACP da regio da siaPacfico mais envolvidos actualmente na reforma fundiria encontram-se as Ilhas Salomo, a Papua-Nova Guin, o Vanuatu e Timor-Leste. As mudanas ocorridas ainda recentemente, isto , a migrao de populaes, o cresci mento demogrfico e as concesses atribudas a empresas estrangeiras, como as sociedades de explorao florestal nas Ilhas Salomo, em desrespeito do direito consuetudinrio, revela ram um mal novo: a insegurana fundiria. A soluo adoptada consistiu em conciliar as regras orais do direito consuetudinrio com as instrues escritas dos rgos oficiais reconhecendo formalmente os regimes fundirios consuetudinrios. At h pouco tempo, isso no era necessrio porque todos conheciam os seus direitos e deveres na comunidade. Foram tomadas medidas para facilitar as transaces, como o arrendamento de terras a estrangei ros por uma comunidade, quer directamente (no Vanuatu), quer indirectamente atravs do Estado (nas Fiji, Papua-Nova Guin e Ilhas Salomo). Acrescente-se a esta situao uma assistncia aos grupos consuetudinrios para defesa dos seus interesses e preveno da duplicidade de arrendatrios e de certas faltas de controlo. Os mecanismos de adaptao executados na regio prevem, nomeadamente, a garantia de acesso terra pelas mulheres. Alm disso, em certos pases, sobretudo na Melansia, os governos sentem dificuldades no acesso terra para os seus projectos de desenvolvimento, porque esta propriedade comum de tribos. As reformas, ao abrigo das quais permitido o registo, facilitam as transaces. As Ilhas Fiji so um caso paradigmtico. Neste pas coexistem actualmente como formas de propriedade da terra o taukei, que a propriedade comum entre fijianos de origem. Em termos de desenvolvimento da economia fundiria, este sistema era, at recentemente, penalizado pelos bancos que lhes vedavam o acesso aos fundos de desenvolvimento, alegando que s podiam conceder emprsti mos a pessoas singulares ou colectivas e no a uma colectividade. As pessoas de origem indiana, ou outras, cujos familiares migrantes tinham recebido bens a ttulo individual, tinham esse direito. Em 1995, especialistas da Universidade de Melburne consideravam que a estabilidade social, econmica e poltica do pas continuaria ameaada enquanto persistisse esta disparidade. As evolues recentes deram-lhes muitas vezes razo. Esta correco est em curso. H.G. PACFICO .Finalmente a adaptao PACFICO Palavras-chaveHegel Goutier; propriedade; terra; taukei; Fiji; Papua-Nova Guin; Ilhas Salomo; Vanuatu; Timor-Leste. 18 DossierACP Propriedades terra e gua A profundidade da principal Ilha Tuvalu no atol de Funafuti, 2007. Hegel Goutier

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N. 10 N. E. – MARO ABRIL 2009 19 Enquanto o governo do Zimbabu lanou h alguns anos uma dinmica de expropriao das terras dos antigos colonos com vista, na sua opinio, a corrigir as apropriaes das terras durante a poca colonial apenas pelos colonos, os seus vizinhos da frica austral esto a proceder de outro modo. Com uma certa prudncia, tentando conciliar a justia social e a segurana econmica, a Nambia e a frica do Sul, que conheceram uma apropriao idntica no passado, conseguiram at agora impedir que se produza um choque semelhante. do apartheid fez com que trs milhes e meio de negros ficassem despojados dos seus bens fundirios. 80 % das terras cultivveis pertenciam no final do apartheid, em 1994, a somente assumiu um compromisso duplo: distribuir prazo de 4 anos e no expropriar os agricultores brancos. Estes eram chamados a vender ao Estado uma parte das suas terras por preos razoveis. Apesar de um grande nmero de entre eles terem concedido a ttulo gracioso uma parte dos seus bens fundirios a concidados negros, providenciando-lhes muitas vezes uma assistncia tcnica e de o governo ter comprado a outros grandes superfcies, o objectivo fixado ainda est longe de ser atingido. Aps os ltimos movimentos de generosidade por parte dos proprietrios brancos mais conciliantes, os seus congneres no entendiam mais vender os seus bens abaixo dos preos praticados no mercado. O prazo limite para atingir sido entregues aos negros. No de estranhar que de vez em quando a situao esteja tensa, nomeadamente na provncia de Limpopo onde camponeses negros se dedicam por intermitncia ocupao segundo o modo zimbabueano de terrenos agrcolas. Nambia. Aquando da independncia em 1990, 5000 agricultores brancos. O governo procedeu como na frica do Sul, comprando-lhes os seus bens fundirios. Para os sossegar, a constituio da nova repblica proibiu a expropriao, excepto para o bem pblico. O governo resistiu a todas as presses dos sindicatos que lhe eram no entanto prximos apesar do facto de muitos agricultores brancos s quererem vender a preos demasiado elevados e irrealistas na opinio de um ministro do pas (John Mbango, Ministry of Lands, declarao feita H.G. Apesar de a frica no ter nenhum campons sem terra, a desertificao, a diminuio das superfcies bem irrigadas e outras causas fazem pairar no ar ameaas de conflito. O Darfur, os atritos entre a Costa do Marfim e o Burquina, os confrontos entre sedentrios e nmadas no Mali, na Mauritnia, a tenso em Madagscar na sequncia da cedncia de uma vasta superfcie de terra a uma empresa estrangeira. E a frica austral. Palavras-chaveHegel Goutier; frica do Sul; Nambia; Zimbabu; Darfur; Sudo; Costa do Marfim; Burquina; Mali; Mauritnia; terra. Dossier FRICA DO SUL, NAMBIA, ZIMBABUNuances nos conflitos sobre a terraFRICA DO SUL NAMBIA ZIMBABUNuances nos conflitos sobre a terraACP Propriedades terra e gua Barco no Rio Cuanza, em Angola, pas com fronteiras com a frica Austral, cuja guerra civil dificultou imenso a gesto da propriedade fundiria. Massimo Pronio

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As grandes obras da UNIO AFRICANASob a iniciativa do Banco Africano de Desenvolvimento e da Comisso da Unio Africana, foram lanadas vrias consultas regionais com vista a adoptar uma poltica fundiria vlida para todo o continente. As primeiras concluses que emergem no so do agrado de todos. Dossier 20E ter de tomar uma deciso sobre um dos temas mais sensveis, trazido luz do dia pelo Caso Daewoo em Madagscar, o qual parece ser apenas a ponta do icebergue (ver caixa em baixo). A carta em preparao preveria, entre outros, que toda a reforma agrria reconhea o direito de um Estado possuir terras em nome dos cidados. Um tema que no agrada a todos. Numa entrevista Radio France International, Tidiane Ngaido, investigador do Instituto Internacional de investigao sobre as polticas alimentares, considera que no normal que o Estado se arrogue o direito de propriedade e distribua terra a sociedades vindas do estrangeiro. As populaes necessitam imperativamente de uma segurana fundiria. Pelo seu lado, a potente rede de organizaes camponesas e produtores agrcolas da frica Ocidental (ROPPA) est preocupada com “as polticas fundirias elaboradas sob presso externa em nome de uma liberalizao que valoriza o agro-business e as multinacionais, em detrimento dos nossos espaos comunitrios, dos nossos mercados agrcolas e das nossas exploraes familiares”. ROPPA acrescenta: “O que nos preocupa a tendncia actual em pr em causa a propriedade colectiva e comunitria da terra e os direitos de uso mltiplos de recursos naturais provenientes dessa terra. O argumento apresentado seria que estas formas de explorao so incapazes de dar origem a uma agricultura produtiva e competitiva. , sem dvida, ignorar a realidade econmica e social dos nossos pases para os quais as exploraes familiares providenciam uma parte importante dos rendimentos de exportao e grande parte dos empregos.” M.M.B. A APROPRIAO DAS TERRAS AFRICANASAs tentativas de vrios pases para adquirir direitos sobre as terras africanas – para a produo de gneros alimentcios mas, sobretudo, de biocombustveis – multiplicam-se. Entre elas, citaremos, para alm do projecto malgaxe de Daewoo: O “arrendamento” no perodo de um ano de 110.000 km (11 milhes de ha, ou seja, um oitavo da A aquisio pela companhia britnica Sun Biofuels de terrenos na Tanznia, na Etipia e em A Bioenergy International (Sua) est a planear a plantao de jatrofa (para a produo de biodieuma fbrica de destroamento de madeira com uma capacidade de 500.000 toneladas por ano, perto da cidade porturia de Ponta Negra, na Repblica do Congo. Palavras-chaveUnio Africana; BAD; fundirio; Tidiane Ngaido; ROPPA; Marie-Martine Buckens. ACP Propriedades terra e gua Saheal Twareg e pastores Pleu extraem gua de um poo raro para o gado no Nger. Edward Parsons/IRIN

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21 N. 10 N. E. – MARO ABRIL 2009 ‘ Eu defendo os direitos das pessoas com deficincia na Europa e fora dela’ uma campanha da IDDC para a aplicao pela UE dos direitos reconhecidos internacionalmente. Nela se l: “As pessoas com deficincia constituem um dos maiores grupos de pessoas excludas e persistentemente pobres no mundo. Se no incluirmos a deficincia nas medidas de luta contra a pobreza, os deficientes continuaro a viver na pobreza e os Objectivos de Desenvolvimento do Milnio (ODM) no sero atingidos.” Uma maior integrao da deficincia nos programas de cooperao da CE e um exame minucioso destas polticas pelo PE e por grupos da sociedade civil so aces vitais, refere Johannes Trimmel, Presidente da IDDC e Director da ONG ‘Licht-Fuer-die-Welt’. Alguns passos neste sentido dados por instituies da UE so raros at ao momento, diz Trimmel. domnios do desenvolvimento e da deficincia, algumas das quais, como a ‘World Vision UK’, dirigem os seus prprios projectos em pases em desenvolvimento. Os Estados da UE so signatrios da Conveno Pessoas com Deficincia, que entrou em vigor em a cooperao internacional deve ser acessvel s pessoas com deficincia e o artigo 11. refere que as pessoas com deficincia devem ser protegidas em situaes humanitrias e de emergncia. Catherine Naughton, Directora em Bruxelas da ONG ‘Christian Blind Mission (CBM)’, salienta que a aplicao desta Conveno depender da capacidade da sociedade civil para acompanhar estas situaes e defender novas polticas, mas muitas ONG no domnio da deficincia no possuem recursos nem pessoal para o fazer. Em em matria de deficincia e de desenvolvimento So muitas as pessoas, de responsveis polticos ao pblico em geral, que ignoram que uma em cada cinco das pessoas mais pobres do mundo tem uma deficincia. O principal organismo internacional que tutela a rea da deficincia, uma organizao no governamental sedeada em Bruxelas e designada “International Disability and Development Consortium (IDDC)”, quer que os deputados europeus e os potenciais candidatos s eleies de 2009 para o Parlamento Europeu (PE) subscrevam uma petio apelando a uma mudana na poltica de desenvolvimento da CE, para que esta se centre mais nos direitos das pessoas com deficincia. A no ser que estes direitos sejam integrados na poltica internacional de desenvolvimento, os objectivos de reduo da pobreza no sero atingidos. necessrio mudar a POLTICA da UE para os DEFICIENTES para atingir os objectivos da luta CONTRA a POBREZA necessrio mudar a POLTICA da UE para os DEFICIENTES para atingir os objectivos da luta CONTRA a POBREZAAcesso ao ensino primrio e secundrio gratuito, inclusivo e de qualidade em posio de igualdade com outros. CBM Siegfried Herrman Debra Percival I nteraces

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ONGpara as Delegaes e Servios da Unio Europeia, mas na prtica os progressos foram desanimadores, diz Johannes Trimmel. > Controlar os objectivosQuanto mais fundos da CE vo para ajudas de carcter geral e sectorial nos Estados ACP, maior deve ser a exigncia de objectivos sobre como os deficientes so includos nas polticas e o subsequente controlo por grupos que representam as pessoas com deficincia. Vejamos o sector da educao, diz Catherine Naughton, em que os progressos na realizao dos ODM esto atrasados: “No conseguimos dar uma ateno pormenorizada ao grau de incluso das crianas com deficincia na educao”, diz ela, acrescentando: “Cabe sociedade civil e ao Parlamento num determinado pas escrutinar como que este dinheiro gasto. No Relatrio mundial de acompanhamento de escolarizadas eram crianas com deficincia.” Ela sugere que sejam estabelecidos objectivos sobre a incluso de crianas com deficincia nos documentos nacionais de estratgia dos Estados ACP para o planeamento do FED e que sejam igualmente includas metas quando forem planeados projectos especficos. “Ser que estamos a formar professores para o ensino especial que sabem ensinar em Braille e em linguagem gestual?”, pergunta, acrescentando: “Quando foi concedido apoio sectorial durante algum tempo, em que medida que isso melhorou a igualdade de acesso das raparigas, de comunidades tribais e de deficientes?” E o seu ponto de vista sobre se isto viola a autonomia dos pases ACP para aplicarem os fundos como quiserem: “Queremos gerir um sistema educativo que se limita apenas a dar resposta s necessidades de um pequeno nmero de pessoas na sociedade? E nesse caso devemos apoi-lo?”, pergunta Naughton. Ela refere que a CE j exigente quanto apresentao de relatrios financeiros, portanto porque que no tem impacto nos grupos beneficirios? “Todos os governos, com excepo dos Estados Unidos e da Somlia, assinaram a Conveno sobre os Direitos da Criana, que estabelece que todas as crianas, independentemente da etnia, gnero ou deficincia, deviam poder ir escola. No se trata de uma exigncia excessiva que todas as crianas tenham acesso ao ensino primrio”, diz ela.> Infra-estruturas acessveis E pergunta: “Faz algum sentido construir escolas que no so acessveis?” Custa apenas mais 1,4 por cento equipar um edifcio para ser utilizado por deficientes. Johannes Trimmel quer que a UE apoie a pessoa de contacto para a deficincia em cada Delegao da CE, uma proposta j apoiada, refere Trimmel, pelo Comissrio da UE Louis Michel a nvel da Assembleia Parlamentar Paritria ACP-UE. Algumas delegaes da CE j consultam grupos de deficincia na fase do planeamento. Aconteceu no Gana, onde a ONG local ‘Action on Disability and Development’ foi consultada sobre a elaborao do documento de estratgia nacional relativamente s despesas do 10. Fundo Mhring, encarregada de misso na Delegao da CE no Gana, diz que a CE vai apoiar o fundo do Departamento de Desenvolvimento Internacional do Reino Unido, ‘Rights and Voices Initiative’ (RAVI), no mbito do 10. FED. A RAVI patrocina pequenas organizaes baseadas na comunidade para lhes permitir dialogar com o governo. Mas o exemplo do Gana, diz Trimmel, uma excepo. Alguns governos ACP so mais proactivos em matria de deficincia. O Uganda reserva cinco lugares no Parlamento para pessoas com deficincia e as suas polticas em matria de sensibilizao, testes e tratamento de VIH-SIDA integram pessoas com deficincia, diz Catherine Naughton. E um projecto apoiado pelos CBM, Callan Services, teve um efeito duradouro no sistema educativo da Papusia-Nova Guin. Em 1990 no havia ensino especial para alunos com deficincia. No final dos anos 90, os Christian Brothers dirigiam os ‘Callan Services’ – um diploma de trs anos a nvel do ensino primrio para o Teacher College de St. Benedict, Wewak, onde se ministram cursos de formao para todos os alunos-professores saberem como ensinar alunos com deficincia em escolas normais. Foi apoiado pelo Conselho de Educao das Igrejas e pelo Conselho Nacional para as Pessoas com Deficincia e financiado pelos CBM, incluindo financiamento da CE, e em princpio foi passado a todas as faculdades de formao de professores. Palavras-chaveDeficincia; IDDC; CBM; Licht-Fuer-dieWelt; Gana; Papusia-Nova Guin. 22 Direito mobilidade. CBM Phil Lam Interaces

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23 N. 10 N. E. – MARO ABRIL 2009 Esta nova “ponte” entre os dois continentes seria, aos olhos do Comissrio Europeu, uma sequncia lgica das grandes obras de infra-estruturas de transportes realizadas por todo o lado em frica. Mas, reconheceu Antonio Tajani, por enquanto no passa de uma ideia: “trata-se, antes de mais, de um exerccio de planificao destinado a identificar os pontos de conexes entre as nossas redes, de acordo com o modelo j aplicado no quadro da rede transmediterrnica de transportes”. Uma ideia que tem origem na reunio realizada em Outubro ltimo com a Comissria Dr El Ibrahim, por ocasio do encontro entre as Comisses da UE e da UA. Entretanto, fazendo referncia ao plano de pelos Ministros dos Transportes da UA, Antonio Tajani fez questo de expressar “as suas ideias” relativamente aos eixos transafricanos. Com uma prioridade: o transporte rodovirio. E lembra os grandes eixos actual mente objecto de um programa pan-africano consolidado, a que a Comisso Europeia e o Banco Europeu de Investimento (BEI) do o Quigali. > Oito eixos prioritrios“O Fundo Europeu de Desenvolvimento de euros para estes oito eixos”, salientou o mil milhes adicionais a ttulo do 10. FED”. So “meios considerveis”, acrescentou, que “catalisam os financiamentos das grandes instituies financeiras europeias, sob a gide do BEI”. Valores igualmente mximos para o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), que nos ltimos trs anos investiu mais de tes. “Tenho imenso prazer em anunciar que devemos duplicar os nossos compromissos daqui a trs anos”, declarou em Adis-Abeba Donald Kabureka, Governador do BAD. Os compromissos dos doadores, acrescentou o Governador do BAD, quase duplicaram num aumento que se explica em parte pela contribuio dos pases emergentes, como o Brasil, a ndia e a China, que se comprometeram com e hidrulico.INTERLIGARa Europa e a fricaUma rede euro-africana de transportes para amanh? pelo menos a ideia defendida por Antonio Tajani, Comissrio Europeu para os Transportes, na Cimeira da Unio Africana (UA) consagrada s infra-estruturas, que se realizou de 1 a 4 de Fevereiro em Adis-Abeba, na Etipia. frica-UE “Grand Sud” de Madagscar, 2008. Marie-Martine BuckensInteraces

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Unio Africana A eleio do Chefe de Estado lbio no foi feita por aclamao, como costume, mas porta fechada. De facto, a presidncia rotativa da organizao cabia este ano a um Estado da frica do Norte e Mouammar Kadhafi era o nico representante destes Estados na Cimeira. Jakaya Kikwete, da Tanznia, Presidente cessante da UA, ignorou o seu sucessor, instando os seus pares a consagrarem mais tempo ao desenvolvimento das suas economias do que resoluo dos conflitos “sobre a partilha de poderes entre os nossos polticos”. Por seu lado, o coronel lbio ter declarado, segundo Radio France International (RFI): “Sei que alguns de vs esto decepcionados e vou provocar-vos. Mas no interesse de frica.” O Chefe de Estado lbio conseguiu fazer adoptar em Adis-Abeba um compromisso que prev a transformao da Comisso da UA numa nova autoridade. Dotada de um mandato mais forte, esta nova autoridade ser uma antecipao remota de um “governo da Unio Africana”. O Presidente senegals Abdoulaye Wade afirmouse preparado, numa declarao que fez imprendeste tipo. Segundo as suas declaraes, este enquanto os Estados Unidos de frica devem ser M.M.B. > Crise de financiamentoA questo estava debaixo de todas as lnguas: nestes perodos perturbados, ser que os doadores podero manter os seus compromissos? Antonio Tajani mostrou-se relativa mente confiante: “Existe o risco de a actual crise econmica ter consequncias sobre os recursos necessrios (), mas ao mesmo tempo os planos de relanamento elaborados a todos os nveis fazem das infra-estruturas uma das prioridades. Com efeito, so elas que favorecem o comrcio e a competitividade das nossas economias e que constituem portanto a resposta mais adequada crise.” Donald Kabureka mostrou-se mais pessimista: “Em frica corre-se o risco de um certo nmero de projectos de infra-estruturas serem anulados ou reduzidos ao mnimo”, e acrescentou ao mesmo tempo: “os desafios a que a nossa infra-estrutura tem de fazer face no so apenas de natureza financeira, mas igualmente poltica e reguladora.” Sobre este ltimo ponto, o Comissrio Europeu avanou o modelo criado na UE para facilitar em especial as seces transfronteiras das redes de transportes, nomeadamente o aparecimento de projectos pblicos e privados. “Os instrumentos utilizados podero aplicar-se nos processos em que a Comisso da UA est empenhada, em apoio dos Estados e das comunidades econmicas”, acrescentou.> Um acordo areo para breve?Antonio Tajani aproveitou a Cimeira para “esboar” o novo quadro estratgico entre a UE e a frica no sector areo. Um sector em que os Estados europeus desempenham um papel predominante. Um sector, reconheceu, em que a UE um actor relativamente jovem, mas cujo papel aumentou rapidamente, como testemunham os acordos assinados com os Estados Unidos, o Canad ou a ndia. Qual ser o perfil do futuro acordo areo entre a UE e a frica? “No tenho uma ideia preconcebi da sobre a sua forma, preciso elabor-lo em conjunto”, assegurou o Comissrio Europeu, insistindo igualmente em duas questes prvias: o reconhecimento da natureza comunitria das companhias areas europeias e o respeito da segurana area. M.M.B. Palavras-chaveUA; UE; BAD; BEI; Antonio Tajani; infra-estruturas; acordo areo; Donald Kabureka; Marie-Martine Buckens.OS “ESTADOS UNIDOS DE FRICA”de Muammar Gaddafi’s Reunidos na Cimeira de Adis-Abeba (Etipia), os Chefes de Estado e de Governo dos 53 pases da Unio Africana (UA) elegeram em 2 de Fevereiro ltimo o lbio Mouammar Kadhafi para presidir sua organizao durante um ano. Uma nomeao que permitiu ao “guia” lbio reabrir um dossi que muito preza: a criao dos Estados Unidos de frica. Palavras-chaveCimeira da UA; Mouammar Kadhafi; Jakaya Kikwete; Marie-Martine Buckens. 24 Mouammar Kadhafi, Presidente de Libia. CE Interaces

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25 N. 10 N. E. – MARO ABRIL 2009 A Zmbia o primeiro pas a beneficiar desta nova forma de apoio oramental – designado “Contrato ODM” – que a Comisso decidiu conceder aos “bons alunos” beneficirios do Fundo Europeu de Desenvolvimento. Seis outros pases seguiro dentro em breve: Mali, Moambique, Uganda, Burquina Faso, Gana e Ruanda. “No actual contexto de crise financeira e econmica, mais importante do que nunca fornecer aos pases em desenvolvimento uma ajuda previsvel que se encaixe numa perspectiva de longo prazo e respeite os seus prprios procedimentos e as suas prioridades estratgicas”, declarou, em 5 de Maro, Louis Michel, Comissrio responsvel pelo desenvolvimento e ajuda humanitria, aquando da assinatura do contrato em Lusaca, capital da Zmbia. O contrato ODM constitui um elemento da estratgia adoptada pela UE para respeitar o seu compromisso poltico de melhorar a eficcia e a previsibilidade da ajuda, compromisso este que ser mais previsvel e abranger um perodo de seis anos, ou seja, um perodo duas vezes superior ao previsto nos acordos clssicos de apoio oramental. Prev igualmente uma ajuda mnima anual, praticamente garantida, assim como pagamentos anuais fiveis efectuados segundo um calendrio preestabelecido. M.M.B. A ZMBIA, primeiro pas beneficirio do novo instrumento ORAMENTAL da UE – o “Contrato ODM ” A ZMBIA, primeiro pas beneficirio do novo instrumento ORAMENTAL da UE – o “Contrato ODM ”A Comisso Europeia decidiu atribuir um montante de 225 milhes de euros ao Governo zambiano para apoilo na melhoria da eficcia dos seus programas de luta contra a pobreza e ajud-lo a acelerar a realizao dos Objectivos de Desenvolvimento do Milnio (ODM). Palavras-chaveZmbia; Contrato ODM; eficcia; FED; Louis Michel; Marie-Martine Buckens.O Embaixador das Ilhas Salomo junto da Unio Europeia e do Reino Unido, Joseph Ma’ahanua, assumiu a direco do Grupo Burquina Faso. A Presidncia do Grupo dos pases de frica, Carabas e Pacfico (ACP) rotativa, sendo assegurada em cada semestre por uma das seis regies ACP. Depois da frica Ocidental, a Presidncia cabia a um pas da regio do Pacfico. “Conto com todos ns, porque a tarefa que nos espera enorme”, declarou o Embaixador no acto de investidura. As negociaes sobre os Acordos de Parceria Econmica (APE) entre o Grupo e a UE representam o dossi prioritrio que deve ocupar os seis meses da Presidncia das Ilhas Salomo. Outro dossi importante: a reviso do Acordo de Cotonu entre os ACP e to quinquenalmente. Joseph Ma’ahanua deve portanto assegurar a Presidncia do Comit Grupo ACP. Este Comit toma as decises adhoc entre cada sesso ministerial do Grupo. M.M.B. AS ILHAS SALOMO assumem a direco do Grupo ACP Palavras-chaveIlhas Salomo; Grupo ACP; Jospeh Ma’ahanua; Marie-Martine Buckens. Louis Michel, Comissrio Europeu do Desenvolvimento e da Ajuda Humanitria, durante a sua visita Zmbia em Maro de 2009. CEUE-ACPInteraces

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26 Fundaes europeiasAs fundaes esto a aparecer como doadores na luta contra a pobreza. Qual , neste contexto, a actividade do CEF? Somos uma associao de aderentes e o nosso papel consiste em apoiar o trabalho dos nossos membros que desenvolvem actividades nos seus domnios de interesse, que em relao a muitos inclui a pobreza. Uma ideia central do trabalho do Centro permitir o contributo e o envolvimento das fundaes no processo de elaborao e execuo das polticas da UE, bem como conferir maior visibilidade investigao e s prticas das fundaes que contribuem para o progresso das questes europeias em reas como a integrao socioeconmica, a liberdade da comunicao social, o dilogo intercultural e a sade mundial. As fundaes esto interessadas no dilogo com os doadores pblicos ou consideram-no uma restrio da liberdade que lhes advm da gesto dos seus patrimnios? O CEF considera que muito importante para as fundaes a instituio de um dilogo aberto com as autoridades pblicas (locais, regionais, nacionais e supranacionais), embora mantendo a sua independncia. Esta cooperao tem uma longa tradio histrica: algumas das antigas fundaes medievais foram criadas ou administradas por entidades que na terminologia actual seriam autoridades locais ou rgos executivos. Hoje em dia a independncia financeira e a flexibilidade das fundaes permite-lhes desempenhar um papel catalisador e associar recursos e conhecimentos para fazer face s necessidades crticas. Permita-me que aponte alguns exemplos de iniciativas recentes em que o CEF esteve envolvido: Cooperao entre o Grupo de Financiadores Fundo Mundial para Fundaes Comunitrias, concebido em conjunto com o Banco Mundial e Worldwide Initiatives for Grantmaker Support Frum Europeu de Filantropia e Financiamento da Investigao, apoiado pela Comisso Consrcio Europeu de Fundaes sobre Direitos Humanos e Deficincia para a implementao da Conveno das Naes Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia Individualmente, os membros do CEF tambm esto a desenvolver importantes parcerias: Consrcio de Genmica Estrutural – uma colaborao internacional apoiada pelo Wellcome Trust (UK), por financiadores pblicos do Canad e da Sucia e por empresas farmacuticas – que est a proceder caracterizao em Fundao Calouste Gulbenkian (Portugal), que est a criar um centro de investigao em Angola Fundao Luis Vives (Espanha), que desenvolzao para a incluso social em parceria com a UE, o Governo espanhol, o sector do voluntariaFundao Rei Balduno (Blgica), que trabalha com organismos governamentais, ONG, centros de investigao e empresas em reas como as migraes, a pobreza e a justia social. Pode falar-nos da reunio de Roma? Numa questo de meses, os efeitos da contraco econmica mundial foram sentidos por todas as camadas da sociedade e no apenas pelos grupos mais vulnerveis, que inquestionavelmente foram os mais atingidos. portanto o momento oportuno para as fundaes – que tm FILANTROPIA e pobrezaAndrea Marchesini ReggianiA Conferncia anual do Centro Europeu de Fundaes (CEF), a realizar em Roma de 14 a 16 de Maio de 2009, vai debater como as fundaes podem lutar contra a pobreza criando oportunidades por intermdio da educao e do reforo de capacidades. Perguntmos a Rui Vilar, Presidente do CEF, qual era a aco das fundaes europeias no que se refere ajuda ao desenvolvimento e tendo igualmente em conta a difcil situao econmica. Interaces

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27 N. 10 N. E. – MARO ABRIL 2009 Fundaes europeiasdado boas provas na defesa dos mais desfavorecidos – debaterem o seu papel no combate aos desafios que enfrentamos. A conferncia voltar aos elementos de base da filantropia, examinando o tema da pobreza e considerando a criao de oportunidades atravs da educao, da capacitao e do reforo de competncias. Foi calculado o montante da ajuda anual das fundaes aos pases em desenvolvimento? Um inqurito realizado pelo CEF ao financiamento concedido pelos seus membros para o desenvolvimento mundial, baseado em dados a despesa com o desenvolvimento aumentou, sobre a posio dos membros em relao aos Objectivos de Desenvolvimento do Milnio (ODM) da ONU. Embora a maior parte dos inquiridos tenha actividades no domnio das reas abrangidas pelos ODM, no se identificam com esta agenda mundial. Entre as razes incluise: um forte cepticismo em relao aos ODM como enquadramento e dificuldade de harmonizar a misso e as abordagens das fundaes com a agenda dos ODM. No entanto, algumas fundaes indicaram que embora considerem ter em conta os ODM uma vez que influenciam as agncias de doadores e as ONG. As despesas e as aces iro diminuir devido crise financeira? to aos seus membros para compreender melhor os efeitos da instabilidade econmica. Um pouco mais de metade respondeu que a crise financeira no estava a afectar a sua organizao. A maioria referiu poder continuar a cumprir todos os compromissos de subvenes para inquiridos esperava que os seus oramentos para subvenes e/ou programas operacionais diminussem nos prximos dois anos, embora dois teros tenham referido que estavam a ponderar alteraes importantes nas respectivas estratgias de investimento. Trata-se de estatsticas cautelosas. No entanto, continuamos confiantes em que as fundaes, com as provas dadas em matria de resistncia, de capacidade de adaptao e de criatividade, conseguiro singrar por estas guas agitadas. O Acordo de Cotonu tem uma abordagem inovadora que inclui a negociao, entre o doador e o beneficirio, do tipo e dos sectores de interveno. A vossa aco pauta-se pelo mesmo princpio? A questo do dilogo e da escuta das necessidades dos beneficirios est no cerne das preocupaes das fundaes. Contudo, uma rea complexa, especialmente quando se opera a nvel internacional – uma vez que isto exige um conhecimento profundo dos contextos culturais, sociais e polticos. Reconhecendo este desafio, o CEF, em colaborao com o Conselho das Fundaes, elaborou os “Princpios de Responsabilizao de Filantropia Internacional”. Palavras-chaveCentro Europeu de Fundaes (CEF); Rui Vilar; filantropia. FUNDA’ES ACTIVAS NO DESENVOLVIMENTOAs fundaes com actividades na ajuda ao desenvolvimento so: Fundao Calouste Gulbenkian (Portugal), Fundo em Memria da Princesa de Gales Diana (Reino Unido), Fundao Mrieux (Frana), Fundao Nuffield (Reino Unido), Unidea Unicredit (Itlia), Volkswagen Stiftung (Alemanha), Wellcome Trust (Reino Unido). Muitas apoiam tambm o desenvolvimento comunitrio, como a Fundao Bernard van Leer (Pases Baixos), Cera (Blgica), Fundao Rei Balduno (Blgica), um consrcio de fundaes italianas – Compagnia di San Paolo, Fondazione Cariplo e Monte Paschi di Siena -, Fundao Rabobank (Pases Baixos) e Fundao Shell (Reino Unido). Outras concentram-se na capacitao poltica da sociedade civil: Joseph Rowntree Charitable Trust, Sigrid Rausing Trust (Reino Unido), Fundao Oak (Sua). Pgina 26: Rui Vilar, Presidente de EFC. EFCAbaixo: Annabelle, O Palhao, Paris, vencedor da Fotografia EFC em 2008. Apresentado pela Fundao de Frana. Francesco AcerbisDefesa das Minorias na Europa do Sudeste, Berovo, Macednia. Apresentao da Fundao Rei Balduno. T. PredescuInteraces

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28 Pouco importa! Para Sissoko, o cinema uma ferramenta ao servio das ideias e da poltica. Longe do martelar dos slogans, utiliza esta ferramenta com extremo requinte. Ora para descrever o Imprio do Mali no sculo XIX, como no “Guimba”, criando um drama shakespeariano intenso, misturando todos os ingredientes de um filme policial histrico e de um fresco grandioso com decoraes e indumentrias sofisticadas e legies de figurantes. Ora para esclarecer, luz da realidade africana, uma vertente da herana mundial, o Gnesis, e transportar-nos para um conto onde se entrelaam proezas, fascnios e sensualidades. entrevistado analisa minuciosamente duas das suas obras perante um auditrio encantado e preso s suas palavras como as cordas ao instrumento. Fala essencialmente aos jovens, aos estudantes da famosa escola de cinema da frica Ocidental, a ISIS, de Uagadugu. Estes ltimos no perdero nada do filme Guimba, que viram ou reviram ao abrir o pano, nem das palavras do mestre da manh noite. As suas perguntas seriam de uma acuidade e pertinncia raras. Sissoko ficou emocionado com a experincia. Os convidados estrangeiros, professores, directores e estagirios de escolas de cinema de Bruxelas ou de Dijon, nomeadamente parceiros da ISIS, estavam encantados. A lio do mestre falava da “Decorao cinematogrfica e patrimnio cultural”. Ao lado do aspecto tcnico do assunto, Sissoko insistiu repetidas vezes na sua escolha de realizar coprodues Sul-Sul. No seu caso preciso, a escolha fez-se muitas vezes entre o Mali, o Burquina e o Nger, mas tambm com pases da frica do Norte, nomeadamente Marrocos. Ele falou sobretudo da forma como destaca as magnficas cidades imperiais do Mali, como Djenn, Sgou, Tombuctu. Prestou homenagens calorosas aos figurinistas, decoradores e outros mgicos do cinema da regio. Um grande figurinista do Burquina, um s do vesturio e das pedras preciosas, originrio do Mali. Vai fazer uma demonstrao da capacidade de auto-suficincia do cinema africano. Quem sabia na sala que entre o Mali, o Nger e o Burquina, era possvel realizar um fresco, como o Gnesis, sem recorcinema deste pas j auto-suficiente? Para esta auto-suficincia, h que utilizar primeiro as lnguas locais africanas e o arqutipo de histrias e lendas de factos do continente. O cinema africano s ser vivel se for apoiado por um grande pblico africano. Se no, os filmes do continente continuaro a ser relegados na Europa para pequenas salas de cinema sem Um dia na vida de CHEIK OUMAR SISSOKOPRIMERIO PLANOHomem dinmico, no corpo e no esprito. Calmo, mas como em projeco, o corpo em pronao, o esprito sempre a elaborar, a construir, a aperfeioar projectos e estratgias para o cinema, a cultura e frica. Recorda com aplicao mas sem a menor pretenso o seu percurso nas suas duas carreiras, a de cineasta e de homem poltico, ou melhor dizendo, de homem poltico cineasta. Como para equilibrar a sua aura de grande realizador maliano ou africano que eclipsa fora das fronteiras da sua regio os seus xitos como ministro da Cultura. Hegel Goutier E m foco

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terem a possibilidade de ser vistos por um grande pblico. “No acredito na existncia de um cinema universal.” Para o mestre, se um filme americano ou japons tem um xito universal, porque universal, est enraizado na cultura local. o seu sucesso no seu mundo que lhe permite conquistar outros mundos. “No dia em que um filme africano realizar 10 milhes de entradas em frica, no faltaro produtores estrangeiros que se poro de joelhos para comprar os direitos de distribuio.” Simultaneamente afvel e reservado, com um calor abrasador mas distncia para no queimar, por cortesia ou elegncia. Assim Cheik Oumar Sissoko a conversar com outrem. A lio dos tiranos. Para estimular a ver o que bom, mostra-nos o que est mal. Como no Guimba, mostrou o mal para concluir que se vislumbra um raio de esperana. Ou estou a resumir mal? No posso dizer que resumiu mal. O que quero dizer, com toda a certeza, que isso depende das situaes. Estas podem prestar-se ao que me disse sobre os tiranos: pegar no que est muito mal, segundo a composio do realizador, e fazer disso uma construo dramtica utilizando o cmico para apresentar as coisas. Isto foi muito triste no “Nyamanton”. J no Guimba, onde as cores eram belas, o que era triste era a situao em que ocorreu. por isso que gosto muito desta bela metfora. Dirigiu-se aos jovens como "caros colegas". Eles ficaram emocionados. Considera-os maduros ou considera-se jovem sempre a aprender? porque eles so maduros. O facto de aceitarem vir para esta escola de cinema em detrimento das grandes escolas de economia ou de gesto, uma situao de maturidade porque a profisso extremamente difcil, que ainda no aceite pela sociedade onde vivemos. O facto de os estudantes terem que superar muitas dificuldades e aceit-las s os honra. por isso que lhes chamei "meus caros colegas", porque minha convico que eles esto dispostos ao desafio. Porque a cultura est a passar um mau bocado? Absolutamente, a cultura est a passar um mau bocado porque no aceite pelas altas autoridades nos nossos pases. O Burquina um caso isolado, porque sempre reconheceu a cultura em geral e o cinema em particular. Para prov-lo, recorde-se o papel desempenhado pelo FESPACO, a cinemateca africana e a Isis. Sr. Sissoko, o que leva os artistas como voc, Raoul Peck e Gilberto Gil, a entrar num governo. para se aperceberem do perigo e depois sarem? No creio. Penso que o meu caso diferente do de Raoul Peck e de Gilberto Gil, mesmo se estes tm verdadeiramente uma concepo poltica das lutas a travar e das exigncias de desenvolvimento dos seus pases. Eu sou poltico e foi a poltica que me levou ao cinema. Sou presidente de um partido “Solidariedade Africana para a Democracia e a Independncia”. Trabalhei (ndr: como ministro) para alterar as coisas positivamente. Creio termos tomado medidas verdadeiramente irreversveis Sim, fizemo-lo ao mesmo tempo que fazemos compreender s pessoas a cultura como um factor de desenvolvimento econmico, um factor de paz e de estabilidade. H.G. KeywordsHegel Goutier; Cheik Oumar Sissoko; Guimba; Genesis; Nyamanton; ISIS. Camera operator em famosa escola de cinema da frica Ocidental, ISIS, em Uagadugu, durante a conferncia de Cheik Oumar Sissoko, em 2009. Evento promovido pela Africalia (www.africalia.be) Hegel Goutier 29 N. 10 N. E. – MARO ABRIL 2009Em foco

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30 A Agncia para o Desenvolvimento das Exportaes das Carabas (CEDA) o nico organismo de promoo das exportaes a nvel de uma regio do grupo de pases da frica, Carabas e Pacfico (ACP). A assinatura em 2008 do Acordo de Parceria Econmica (APE) entre os 15 Estados membros do CARIFORUM* e a UE traduz-se em novos desafios.Aumento das EXPORTA’ES DAS CARABAS em resposta ao desafio do APE “PRECISAMOS de um MN IMO de proteco”ACORDOS DE PARCERIA ECON”MICA (APE)Uma delegao de parlamentares e de agricultores africanos, em digresso pelas grandes capitais europeias no ms de Maro, denunciou o rumo que esto a seguir as negociaes conduzidas pela Unio Europeia com os pases africanos para a concluso de novos acordos de parceria econmica (APE), que correm o risco “de provocar um genocdio econmico em frica”.Estes acordos vo fragilizar “os mercados agrcolas locais, expondo-os concorrncia das sobreprodues europeias”, alertou a delegao, na sua passagem por Bruxelas em 5 de Maro. “Receamos que a Unio Europeia, que subvenciona fortemente os seus agricultores, inunde os nossos mercados”, explicou Kolyang Palebe, representante de uma organizao de agricultores do Chade. Os APE vo igualmente provocar “uma queda drstica das receitas fiscais aduaneiras e portanto reduzir ainda mais as capacidades oramentais dos Estados”, salientou por seu lado a queniana Catherine Kimura, Presidente da Comisso do Comrcio da Assembleia dos Estados da frica Oriental (EALA). A delegao tambm denunciou o facto de a UE negociar actualmente estes acordos pas por pas, quando partida deviam ser negociados com base em entidades regionais. “ reduzir a zero os nossos esforos de integrao regional, que no entanto so preconizados pelo Acordo de Cotonu” (que Pacfico (ACP), NDR), declarou por seu lado Eric Ouedraogo, um representante dos pequenos pases, oriundo do Burquina Faso. Para este ltimo, “a nossa solidariedade regional est a nascer e precisamos de um mnimo de proteco, sem a qual nos arriscamos a voltar ao ponto de partida”. M.M.B. Palavras-chaveAPE; delegao africana; pequenos agricultores; Marie-Martine Buckens. Em baixo: Mais oportunidades de exportao ao abrigo dos APE? Porto, Kingstown, So Vicente e Granadinas. Debra Percival C omrcio

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31 N. 10 N. E. – MARO ABRIL 2009C CARIFORUM, a misso da CEDA consiste em reforar a competitividade das empresas nos mercados internacionais e promover as exportaes das Carabas a nvel nacional e tem um quadro de soas no escritrio sub-regional na Repblica Dominicana, explica o director executivo, Philip Williams. Escipion Oliveira, gestor de projectos especiais, afirma que “ no agrupamento das empresas que reside a sua grande fora”. Por exemplo, na recente ‘Fancy Food Fair’ em Nova Iorque, a exposio que a CEDA fez dos produtos de empresas mais conhecidas ao lado dos produtos de empresas recentes trouxe novos clientes para as marcas menos conhecidas. Os Fundos Europeus de Desenvolvimento (FED) da UE tm financiado as actividades deste organismo e est previsto que o 10. FED responder ao desafio do APE. Entre as ltimas tas, incluindo grafistas e estilistas de moda em das Carabas’ e como fazer disso um ponto de vendas no mercado mundial. A CEDA procura promover em especial o artesanato no Haiti, tendo constitudo inclusivamente um “pequeno conselho para o desenvolvimento das exportaes”. Phillip Williams refere: “H muita energia e criatividade no Haiti, mas eles no conseguem os bons materiais.” Carlos Wharton, conselheiro da CEDA para o comrcio, diz que o APE proporcionou oportunidades em reas como os servios, mas a regio enfrenta agora o desafio de ter de permitir aberturas semelhantes a outros pases, como o Canad, no quadro do tratamento de Nao Mais Favorecida (MFN). H apenas dez anos os Barbados tinham uma importante indstria do vesturio, que est a desaparecer gradualmente medida que salrios mais baixos tornam mais barato produzir txteis noutros stios. Wharton salienta as oportunidades no sector dos servios e das tecnologias da informao, mas os servios so uma “actividade em evoluo”, refere. No existem no sector, diz Williams, “condies equitativas e por isso vamos precisar indefinidamente de assistncia tcnica e de assistncia para o desenvolvimento”. Oliveira diz que o organismo tenciona tornar-se num catalisador do desenvolvimento regional nos Pases e Territrios Ultramarinos das Carabas (PTU) e na regio ultraperifrica francesa das Carabas, que integra a Martinica e Guadalupe. No momento em que este artigo vai para a impresso, est planeado um seminnecessidade de maior investimento no sector das energias renovveis nas Carabas, com possibilidade de emprstimos do Banco Europeu de Investimento (BEI). D.P. Repblica Dominicana, Haiti, Granada, Guiana, Jamaica, Santa Lcia, So Cristvo e Nevis, So Vicente e Granadinas, Suriname e Trindade e Tobago. Palavras-chaveAgncia para o Desenvolvimento das Exportaes das Carabas; CARIFORUM; Philip Williams; Escipion Oliveira; Carlos Wharton; APE; PTU; BEI; Debra Percival.“ Se isso alguma vez acontecer, ser pior do que um furaco para ns”, disse Cornelius Lynch. Lynch produtor de bananas em Dennery, Santa Lcia Oriental, e representante do rtulo “Fairtrade” (comrcio justo) na ilha. Falava dos efeitos nefastos de uma iniciativa divulgada pela Unio Europeia (UE) tendente a reduzir os actuais direitos aduaneiros sobre as bananas tonelada no mbito de um novo acordo com essa regio, o qual inclui os grandes exportadores do Equador e da Colmbia. Com a ameaa de futuras redues dos direitos aduaneiros sobre as bananas e os novos concorrentes que emergem no mercado, a produo da banana, s em toneladas no incio da dcada de 90. Os produtores de bananas das Ilhas de Barlavento (Santa Lcia, Domnica e So Vicente e Granadinas) esto a sobreviver devido ao sucesso do comrcio justo. Noventa por cento das exportaes de Santa Lcia so vendidas com o rtulo de comrcio justo no Reino Unido e na Irlanda, o que representa um “prmio social” para os agricultores. As associaes de agricultores locais nas Ilhas de Barlavento decidem como atribuir este dinheiro, incluindo bolsas de estudo para os seus colegas produtores de bananas. uma srie de organizaes conhecidas na rea do desenvolvimento. O seu director, Harriet Lamb, celebrou no ano passado um contrato muito importante com uma grande cadeia de supermercados – Sainsbury – na Gr-Bretanha e na Irlanda, quando a empresa aceitou abastecer-se de bananas unicamente de fornecedores do Fairtrade. A Sainsbury colabora de perto com os produtores de bananas nas Ilhas de Barlavento, mas tambm da Costa Rica, Equador, Colmbia e Repblica Dominicana. A transio para bananas 100 por cento provenientes do comrcio justo criar um prmio social de 4 milhes de temente numa conferncia na London School of Economics (LSE). Fairtrade ABRE CAMINHO aos produtores de BANAN AS nas Ilhas de Barlavento Cultura de bananas SVG. Debra Percival Palavras-chaveFairtrade; banana; St. Lucia; Dominica; St. Vincent; Grenadines; Caribbean; United Kingdom; Ireland.Debra Percival and Malcolm Flanagan* “PRECISAMOS de um MN IMO de proteco”Comrcio

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32 Paradoxo. A frica possui recursos vegetais dotados de mltiplas propriedades e terapeutas tradicionais detentores de saberes seculares, mas estas duas riquezas esto a cair no esquecimento. O programa PMTA foi lanado para colmatar esta lacuna. Um programa, explica o Professor Jean-Maurille Ouamba, que deve “permitir resolver o problema crucial dos medicamentos e criar progressivamente as condies de implantao da futura indstria farmacutica africana”. Um desafio colossal A MEDICINA TRADICIONAL ganha terrenoPr disposio das populaes africanas medicamentos tradicionais melhorados: tal o objectivo do programa “Farmacopeia e medicina tradicional africana” (PMTA), criado, em 1974, pelo Conselho Africano e Malgaxe do Ensino Superior. Depois da implantao de redes nos 17 pases africanos de expressso francesa, o programa sofreu uma acelerao com a criao, em 1995, de formaes universitrias. Entrevista com o Professor Jean-Maurille O uamba, decano da Faculdade de Cincias da Universidade Ngouabi de Brazzaville. Algumas das medicinas tradicionais utilizadas para curar vrias doenas. Ukunda, Qunia, Julho de 2007. As tentativas de regulamentar o sector, incluindo o registo dos curandeiros tradicionais, tm sido afectadas pelas rivalidades acerbas entre os mdicos convencionais e os curandeiros tradicionais. Allan Gichigi/IRINEm baixo: Professor Jean-Maurille Ouamba. Cortesia de Jean-Christian Mboussou Mananga. N ossa terra

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33 N. 10 N. E. – MARO ABRIL 2009 num continente em que o acesso aos cuidados mdicos e o custo dos produtos constituem verdadeiros problemas de sade pblica. , nomeadamente, coordenador do grupo de estudo e investigao sobre a farmacopeia e a medicina tradicional no Congo (Gerphametrac). Paralelamente s suas actividades de I&D, tem contactos regulares com terapeutas tradicionais? Claro que sim, seno a nossa aco seria intil. Os estudantes de doutoramento, por exemplo (diploma de especializao ou mestrado e doutoramento), trabalham em estreita ligao com os terapeutas tradicionais. Os contac tos so frequentes. Tanto mais que a nossa metodologia exige que realizemos trabalhos de investigao e desenvolvimento dos remdios propostos, das plantas constituintes das receitas tradicionais. Organizamos encontros e participamos nos que so organizados. Por exemplo, em Agosto de cada ano, cada pas celebra o dia da medicina tradicional em frica, e ns participamos no evento... e, por vezes, asseguramos a coordenao cientfica no Congo. Por exemplo, fui o seu coordenador um dos meus colaboradores, o Professor Ange Antoine Abena, farmaclogo, actual decano da Faculdade de Cincias da Sade da nossa universidade, coordenador adjunto do grupo. Os estudantes participam igualmente nesse dia. O evento serve para apresentao dos resultados dos estudos realizados, exposio de produtos de medicina tradicional, frum, discusso sobre a propriedade intelectual, troca de pontos de vista, etc. Alguns terapeutas tradicionais esto em condies de explorar os resultados dos trabalhos a que, partida, deram origem. Permite ainda o intercmbio de experincias com os estudantes, etc. Ainda h muitos terapeutas tradicionais? Sim, ainda h muitos terapeutas tradicionais em frica: organizados (Associao dos Terapeutas Tradicionais do Congo) ou isolados. Por exemplo, existe um Centro Nacional da Medicina Tradicional (CNMT), que procura articular a investigao e a tradio. Alguns pases africanos dispem de uma organizao semelhante. A Organizao Mundial da Sade (OMS) tambm est envolvida, em particular a OMS frica, que tem sede em Brazzaville, bem como os hospitais e o Laboratrio Nacional de Sade Pblica. Tem constatado uma perda dos saberes tradicionais? A perda dos saberes tradicionais evidente. Ambicionamos atravs das nossas aces reunir informaes teis e vitais para a comunidade no sector. Porque os conhecimentos esto presentes: extractos de plantas antihipertensivas, analgsicas, antipirticas, antiinflamatrias, antidiarreicas, afrodisacas leves (sorrisos), muito eficazes... necessrio preservar as populaes de riscos e intoxica es, quando cerca de 80% das pessoas recorrem medicina tradicional. H que conhecer as sinergias entre os efeitos qumicos e biolgicos. Importa descobrir novas molculas, a grande biodisponibilidade das molculas na flora africana. Mas impe-se, ao mesmo tempo, desenvolver trabalhos de investigao avanada, aperfeioar os processos de fabrico mentos tradicionais melhorados disposio das populaes. Importa ainda quantificar o impacto socioeconmico da medicina tradicio nal. Actualmente, h doenas que so tratadas pela medicina tradicional mas ignoradas pela medicina moderna, convm, pois, conhecer a etiologia... Muito est ainda por fazer, muito est ainda por dizer... , de resto, neste contexto que respondemos ao concurso do programa de cooperao ACP-UE no domnio da cincia e da tecnologia a fim de melhorar as nossas capacidades de aco (cientficas, tecnol gicas, projectos de formulao e poltica de formao, sensibilizao, vulgarizao), etc. So necessrios, por exemplo, meios que nos aproximem dos terapeutas tradicionais, meios de aco no terreno... Os vossos laboratrios esto a preparar um pedido de patente, quais tm sido as reaces dos terapeutas tradicionais proteco inte lectual? Quem sero os beneficiados pelos direitos de explorao? As reaces no tm sido muito favorveis. Donde os contactos permanentes, preciso explicar, convencer. No se pode proteger uma planta, pode-se proteger um processo... Alguns terapeutas esto persuadidos, j protegeram o seu processo e so titulares de uma patente. As normas so estabelecidas pela OMPI (Organizao Mundial da Propriedade Intelectual) ou pela OAPI (a congnere africana). Por fim, os produtos j esto a ser valorizados, comercializados? Sim, claro. Os pases da frica Ocidental esto muito avanados: o Mali, por exemplo, que j lanou no mercado medicamentos como o Malarial. No Congo, temos trabalhado muito para melhorar o Tetra, um medicamento tradicional congols para o tratamento de problemas gstricos, do terapeuta tradicional Charles Mbemba. Esformo-nos por melhorar o Tetra. O produto vendido nas farmcias com a homologao da Direco de Sade. M.M.B. Palavras-chaveFarmacopeia e medicina tradicional africana (PMTA); Jean-Maurille Ouamba; Gerphametrac; terapeuta tradicional; Tetra; Malarial; Marie-Martine Buckens. Conhecido como “Mzee Musa” pela populao local, este mdico tradicional expe a sua medicina. Ukunda, Qunia, Julho de 2007. O Qunia est a desenvolver uma estratgia nacional para promover e regulamentar o uso da medicina tradicional e, igualmente, para proporcionar formas alternativas de tratamento da populao pobre do pas. Allan Gichigi/IRIN Nossa terra

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ANGOLA. 2002: Ano UmAno Zero: a simples inscrio num saco dizia tudo. Lembrava que Angola est a recomear aps uma guerra civil que durou 28 anos e no apenas reconstruir as infra-estruturas. Existe uma grande expectativa numa populao cansada de guerra de 16-17 milhes de pessoas, das quais se calcula que 50 por cento tero menos de 26 anos. vidos de beneficiar do boom provocado pelo petrleo, a China, a frica do Sul, Portugal e o Brasil esto todos a aprofundar as suas relaes com um pas que desde 2002 regista um crescimento de dois dgitos. H quem preveja que Angola pode imitar a frica do Sul, tornando-se uma potncia econmica na regio da frica Austral. Mas existem ainda disparidades enormes no nvel de vida dos Angolanos e receia-se que a actual queda dos preos do petrleo e a reduo da procura mundial de diamantes – o outro sustentculo econmico – possam contrariar os planos de investimento pblico. Longe das novas estruturas espelhadas e dos engarrafamentos do trnsito que fazem perder a pacincia no centro de Luanda, os cortes de energia so frequentes e a electricidade ainda no existe nalgumas zonas perifricas da capital. Uma das razes que se aponta para Angola estar no topo das listas mundiais das cidades mais caras para os expatriados o elevado nvel de importaes, a falta de concorrncia no sector da hotelaria e a enorme quantidade de divisas em circulao, que impulsiona o valor do quanza angolano, conduzindo a rendas astronmicas superiores a 7000 dlares por ms para um apartamento com dois quartos. So desafios para o governo quando procura investimentos para diversificar a economia.Uma reportagem de Debra Percival 34 “A Marginal”, Luanda Debra Percival R eportagem

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N. 10 N. E. – MARO ABRIL 2009Angola Pensa-se que os habitantes originais deste segundo maior pas em dimenso a sul do Sahara falavam khosian, seguindo-se um grande nmero de falantes bantu no sculo X. Os Portugueses chegaram primeiro no final do sculo XV, estabelecendo relaes com o Estado do Congo, que se estendia do actual Gabo, a norte, at ao rio Cuanza, a sul, e tambm com Lunda e Ndongo. O explorador portugus Paulo Dias de Novais chamada ‘So Paulo de Loanda’. Foram implantadas vrias colnias de portugueses na costa, que se tornaram postos importantes no comrcio europeu com a ndia e com o Sudeste Asitico e serviam igualmente para vender escravos para o Brasil. S na Conferncia de Berlim, em 1885, que foram fixadas as actuais fronteiras do pas. Aps cerca de 500 anos de domnio portugus, o Movimento Popular de Libertao de Angola (MPLA), a Unio Nacional para a Independncia Total de Angola (UNITA) e a Frente Nacional para a Libertao de Angola (FNLA) travaram independncia de Portugal em 11 de Novembro Presidente de Angola ps-colonial. Mas o MPLA e a UNITA (cuja aliana com a FNLA acabaria por se desagregar, tendo a UNITA absorvido os elementos da FNLA) rapidamente entraram em choque ideolgico e militar, incentivado pelas dependncias da Guerra Fria: a Unio Sovitica e Cuba apoiavam o MPLA marxista, cujo apoio assentava sobretudo nas jazidas de petrleo e nas cidades, e os Estados Unidos e a frica do Sul apoiavam a UNITA anticomunista, em grande parte pertencente ao grupo tnico Ovimbundo e cujo reduto principal se situava no Huambo e no planalto do Bi. No final da Guerra Fria, cerca de 1989, Cuba acabou por retirar o apoio ao MPLA, enquanto os EUA comearam a pr em questo o seu apoio UNITA, dirigida pelo Dr. Jonas Savimbi. Os EUA apelaram realizao de eleies livres e justas. Um acordo sobre a retirada das tropas estrangeiras de Angola, em troca da independncia da Nambia da frica pela ONU, com Savimbi e o lder do MPLA, Eduardo dos Santos, candidatos Presidncia. Mas sem uma maioria clara primeira volta, os angolano ao Dr. Savimbi que a guerra acabou, UM CRESCIMENTO RPIDO aps uma guerra prolongada 35Espectculo de luzes nocturno na nova sede da China em frica, Luanda, Angola 2009. Debra Percival R eportagem Reportagem

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36 tendo custado entre meio milho e um milho lanou um “Programa de Reintegrao Social e Produtiva dos Desmobilizados e das Pessoas Deslocadas pela Guerra”. O lder do MPLA, Eduardo dos Santos, tornou-se Presidente. O seu partido tem actualmente uma grande maioria no Parlamento, na sequncia das eleies legislatipresidenciais e municipais, embora devido a uma reviso em curso da Constituio as datas ainda estejam por anunciar. > Quartel-general da China em frica A paz desencadeou uma corrida por parte de investidores estrangeiros, nomeadamente a China, que procuram partilhar o boom do psguerra induzido pelo petrleo. Angola agora o maior parceiro deste pas em frica, simbolizado pela criao em Luanda do seu novo quartel-general para frica. A China concede emprstimos principalmente para construir as infra-estruturas do pas, em troca de minerais. Embora os nmeros oficiais sobre a dimenso desta cooperao sejam difceis de conseguir, dlares de crdito dos chineses. Isto inclui um emprstimo de 5 mil milhes de dlares concecentados mil milhes de dlares em Fevereiro petrleo que afectou as reservas de divisas do pas. O Brasil, a frica do Sul e Portugal so outros parceiros importantes. Para o responsvel do Banco Mundial para Angola, Alberto Cheuca Mora, houve uma “gesto macroeconmica relativamente saudvel da a sade e a agricultura revelem atrasos. Pela primeira vez desde o fim da guerra no haver zem os economistas. “No haver recesso em Angola nem o pas ter uma taxa de crescimento inferior taxa de crescimento da populao, que de trs por cento”, disse o Ministro da Economia, Manuel Nunes, em Fevereiro de a pensar numa nova estratgia de comercializao dos diamantes para impulsionar a procura. Antes do abrandamento econmico mundial, o rever a sua estratgia de investimento pblico ele a entender. Na reunio de Fevereiro de de Petrleo (OPEC), actualmente presidida por Angola, foi acordado que o pas devia reduzir milhes de barris por dia a fim de consolidar os preos. Prximo, mas longe dos prdios de Luanda, os habitantes de Roque Santeiro (um bairro de lata situado num penhasco face ao porto de Luanda e que tem este nome por causa de uma telenovela brasileira) ou de Cazenga, onde vivem habitantes de Luanda, tm esperana de que o boom econmico ir em princpio melhorar as suas vidas. O acesso gua, ao saneamento e electricidade nestas zonas so espordicos. Os fundos de doadores como o BM e a CE esto a ser canalizados para domnios como a gua e saneamento (ver artigo do FED). Angola um dos pases da Comunidade de Desenvolvimento da frica Austral (SADC) que at agora mostraram pouco interesse num Acordo de Parceria Econmica (APE) – um acordo de comrcio livre com a UE – diz Joo Gabriel de Ferreira, Embaixador da CE em Angola. Ferreira refere que o seu entendimento que o pas est actualmente a definir novas prioridades em diferentes sectores e que est preocupado com as dificuldades de desenvolvimento das suas jovens indstrias. Mas o Embaixador Ferreira sugere que um APE poderia “ajudar a definir melhor como que os angolanos querem desenvolver o comrcio, como por exemplo a rea da pauta aduaneira, e ajudar a diversificar a economia”.D.P. MANTER VIVO O PATRIM”NIO“No queremos que Luanda se torne Xangai ou Hong Kong”, diz Rui M. Nobre Guapo Garo, Director do grupo de concepo RGG Creative Solutions, olhando fixamente para os blocos de torres que despontam em Luanda. Jacques dos Santos, Director da organizao cultural Ch de Caxinde, partilha a mesma opinio de que o governo devia ter uma poltica mais decidida para preservar alguns dos velhos edifcios coloniais dentro e fora de Luanda. A Ministra da Cultura, Rosa Cruz e Silva, disse-nos que tambm era importante manter vivo o patrimnio atravs da renovao de museus, da formao do pessoal e da catalogao dos seus contedos. INVESTIGAO METICULOSA SOBRE ANGOLAGuerra e paz sem democratizao e Sociologia poltica de uma oleocracia so os dois volumes da pas para alcanar a “paz sem democracia”, defende a autora. Publicado recentemente a ttulo pstumo pelas Edies Karthala, o Volume I examina como a guerra civil alimentou as divises tnicas, enquanto o Volume II examina como o papel estratgico de Angola passou da preveno do expansionismo sovitico para o fornecimento de petrleo. Messiant era antiga investigadora do “Centre d’tudes Africaines de l’cole des Hautes tudes en Sciences Sociales (EHESS)” de Frana, cofundadora da revista Lusotopie e fazia parte do comit de redaco de Politique Africaine. Debra Percival Palavras-chaveMPLA; UNITA; Eduardo dos Santos; Dr Jonas Savimbi; Rosa Cruz e Silva; CE; Banco Mundial; Ch de Caxinde; Debra Percival. ReportagemAngola

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37 N. 10 N. E. – MARO ABRIL 2009 Agricultura, construo, hidroelectricidade, desenvolvimento de infra-estruturas, turismo e hotis so todas actividades com potencial para aumentar os sectores produtivos do pas, segundo a Agncia Nacional para o Investimento Privado (ANIP) de Angola. Antes da guerra civil, o sector indusincluindo gneros alimentcios e outros bens de cento do PIB (refinao de petrleo, bebidas e cimento). Entretanto as importaes dispararam, de acordo com valores da empresa de auditoria KPMG, provenientes especialmente da frica do Sul, do Brasil e de Portugal. O nmero de navios de carga que aguardam para descarregar no porto de Luanda – ultrapassa muitas vezes dependncia do pas das importaes. A ANIP introduziu um novo Cdigo de Investimentos para simplificar os procedimentos e conceder incentivos a fim de atrair investimento estrangeiro entre 100.000 a 5 milhes de dlares. Tambm foi anunciado um emprstimo de 1000 milhes de dlares do Banco Mundial > espera de serem desenvolvidosA segurana alimentar um dos elementos do Ministra do Planeamento, Ana Dias Loureno, que salienta mais investimentos nas pescas, mais campos irrigados, centros de investigao, melhoramentos na agricultura e na qualidade das sementes para aumentar a produo agrcola em exportava caf Robusta, sisal e bananas. As suas principais zonas agrcolas, Luanda, Bengo, Benguela, Hula, Cabinda e Cuanza Sul tm potencialidade para produzir cereais, tubrculos, feijo, frutos, vegetais, oleaginosas, criao de gado e transformao de carne e criao de porcos e aves de capoeira, refere a ANIP. Mas segundo um especialista agrcola portugus do Banco Mundial entrevistado em Luanda, o aumento da produo no acontece do dia para a noite. O pas tem de comear do nada, criar um banco de sementes e instalaes de armazenagem nas zonas rurais, onde possam ser colocados os excedentes de produo que aguardam transporte para o mercado. E os dois milhes de agricultores de subsistncia do pas tm de aprender novas tcnicas de produo, diz ele. Outros minerais, minrio de ferro, ouro, fosfatos, mangans, cobre, chumbo, zinco, granito, mrmore e tungstnio, bem como o potencial hidroelctrico e de gs natural, ferro e ao, tudo tem potencialidades, refere a ANIP, incluindo a reabertura das minas de ferro de Cassinga e Cassala e o projecto siderrgico em Namibe. O projecto BIOCOM que associa a empresa brasileira Odebrecht em parceria com a sociedade nacional de petrleo Sonangol para produzir a partir de resduos, apenas um exemplo dos projectos de grande dimenso que vo arrancar para a diversificao. D.P. Aco de DIVERSIFICAO Angola no tem falta de prospectores de negcios de todos os cantos do globo procura de oportunidades, desde a transformao de produtos alimentares at venda de materiais de construo. O petrleo, que o seu grande pilar, pode render 40 mil milhes de dlares por ano (2008), mas emprega apenas um por cento da mo-de-obra do pas, de acordo com as estatsticas governamentais. A concentrao no estmulo aos sectores criadores de emprego est a ser acelerada pelos preos de petrleo mais baixos e pela depresso econmica mundial, que provocou uma queda da procura mundial de diamantes, outro dos pilares de Angola. Palavras-chaveAngola; diversificao; agricultura; Ana Dias Loureno; ANIP; Debra Percival.Tomates transportados pelo Rio Cuanza. Massimo Pronio Angola Reportagem

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Joo Gabriel Ferreira Chefe da Delegao da Comisso Europeia em Angola. Em Bruxelas trabalhou na Direco-Geral do Desenvolvimento (antiga DG 8), nas relaes com Cabo Verde, Mauritnia, Sahel, frica Austral, Zimbabu, Zmbia, Oceano ndico e Madagscar e foi durante quatro anos o funcionrio responsvel por Angola. Foi nmero dois na Delegao da CE no Brasil e posteriormente Encarregado de Negcios, antes da sua nomeaQual o papel da CE em Angola atendendo ao elevado nvel de crescimento do pas? O crescimento uma coisa, o desenvolvimento outra. Depois da guerra, Angola atingiu um crescimento econmico de dois dgitos, mas os esforos de desenvolvimento vo a um ritmo mais lento. Isto pode ver-se no ndice Angola no ocupa uma posio muito boa. possvel melhorar muitas coisas. Como que a ajuda da CE evolui? A Delegao abriu em 1995. Aplicmos a LRRD, que interliga as operaes de emergncia, reabilitao e desenvolvimento. Durante muitos anos trabalhmos essencialmente na ajuda de emergncia, ajuda humanitria e ajuda alimentar. Embora a guerra s tenha acabado abrandou e foram assinados acordos de paz que trouxeram um raio de esperana. Durante esses momentos os doadores, e a CE em especial, fizeram alguma reabilitao onde foi possvel. Agora j no existe ajuda de emergncia e em reabilitao para o desenvolvimento. No havia pura e simplesmente acessos em muitas zonas do pas. A reconstruo era necessria sobretudo para permitir algumas actividades centradas no sector social, na educao, na sade e na formao, reas de que estamos agora a ocupar-nos. Quais so as novas prioridades no quadro do 10. FED (2008-2013)? So principalmente: apoiar a governao e as reformas econmicas e institucionais, desenvolvimento social e humano e, em terceiro lugar, desenvolvimento rural, agricultura e segurana alimentar. Temos de ajudar o pas a atingir os Objectivos de Desenvolvimento do Milnio (ODM). Como que a ajuda macia da China afecta o que a UE faz? Os chineses oferecem linhas de crdito, ns damos subvenes. Por definio, as linhas de crdito so para reembolsar, as subvenes no. No conheo plenamente o envolvimento que eu saiba so vrios milhares de milhes de dlares. No existem condies. Tanto quanto sei, assinam contratos para qualquer coisa que seja necessria, essencialmente construo de infra-estruturas. Ainda estamos a reconstruir algumas infra-estruturas, mas no esse o objectivo principal do nosso apoio directo bilateral. Angola elegvel para a facilidade de infraestruturas para toda a frica, mas at agora no foram apresentados quaisquer projectos e, tanto quanto sei, no existe qualquer interesse da parte de Angola em aceder a esta facilidade – talvez devido aos acordos com a China, mas tambm a alguns com o Governo brasileiro no domnio das infra-estruturas, embora no caso dos brasileiros sejam mais diversificados. O 10. FED vai concentrar-se no reforo de capacidades: no Ministrio do Planeamento, na Justia em sentido lato, no Instituto Nacional de Estatstica e no Comrcio. Qual a natureza do seu dilogo poltico com Angola? Tivemos algumas reunies oficiais, mas eu e outros Chefes de Misso de pases da UE pensamos que h muito trabalho para fazer nesta rea da cooperao. O dilogo poltico referido no artigo 8. do Acordo de Cotonu e a sua definio muito lata. No se trata de discutir a), b) ou c). Alguns consideram que estamos a tentar centrarnos num pequeno nmero de questes, como a democracia, os direitos humanos e as questes de gnero. Estamos interessados nestas questes, mas mais em geral naquilo que o pas tem para dizer sobre questes regionais, o conflito na Repblica Democrtica do Congo (RDC), o Sudo, as suas perspectivas sobre a Comunidade A AJUDA DA CE desde operaes de emergncia ao reforo de capacidades capacidades Entrevista de Joo Gabriel Ferreira, Chefe da Delegao da CE em Angola Palavras-chaveJoo Gabriel Ferreira; Angola; Delegao da CE em Angola; ODM; China; 10. FED; Debra Percival. 38 Em cima: Embaixador Joo Gabriel Ferreira, 2009. Debra PercivalUma das zonas mais pobres de Luanda, Roque Santeiro, 2009. Debra Percival ReportagemAngola

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39 N. 10 N. E. – MARO ABRIL 2009 de Desenvolvimento da frica Austral (SADC), a Unio Africana (UA) e a Comisso do Golfo da Guin, cuja sede em Luanda. At aqui no fomos totalmente bem-sucedidos a este propsito, embora tenhamos debatido questes como a integrao regional e polticas nacionais e regionais, as eleies em Angola e vistos de entrada e de sada para visitantes. Estamos a reflectir sobre como melhorar o dilogo. Do ponto de vista pessoal e profissional, o que ganhou por c estar? Profissionalmente, mais um nvel de experincia e at certo ponto trata-se de um retorno, uma vez que trabalhei com Angola de 1994 a 1998. extremamente interessante ver a evoluo em Angola, que no seu conjunto positiva. Tive oportunidade de visitar o pas durante a guerra e a diferena extraordinria. Estou a enriquecer intelectualmente. Estou a aprender atravs de novos livros escritos por autores angolanos sobre questes sociais. D.P. Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). SEM MINAS DENTRO DE 10 A 15 ANOS? Juntamente com a Colmbia e o Afeganisto, Angola um dos trs pases do mundo com maior nmero de minas, afirma Richard Grindle, gestor do programa para Angola do Halo Trust, a ONG britnica que est a limpar trs quartos das minas do pas. As minas antipessoais e antitanque continuam a matar ou a mutilar 100 pessoas por ano. Angola poder ficar livre de minas dentro de 10 a 15 anos, desde que os doadores continuem a olhar para esta questo. A Comunidade Europeia (CE), o DFID e os governos da Irlanda, da Sua, dos Estados Unidos e da Finlndia financiaram todos a Halo. A forma mais eficaz de limpar este nmero estimado de minas avanar cuidadosamente atravs da vegetao, limpar o terreno com detectores de metais manuais e desenterrar as minas. A Halo comeou a trabalhar em Angola em 1994, durante uma suspenso inicial dos combates da guerra civil. Quando se encontra uma mina, a sua localizao registada por satlite. Os dados so conferidos pela Comisso Nacional Intersectorial de Angola para a Desminagem e Assistncia Humanitria (CNIDAH), que tambm coordena o trabalho de todas as ONG, incluindo da Halo, que trabalha em seis provncias. Os 1000 durante quatro anos para as ONG que procedem desminagem em Angola. A desminagem importante para aumentar a produo agrcola do pas. Grindle chama a ateno para a importncia da Conveno de D.P. 10. FED – PROGRAMA INDICATIVO NACIONAL PARA ANGOLA (2008-2013) gua milhes de euros Integrao regional milhes de euros ‘B’ separado, para rubricas como a ajuda de emergncia. O pas igualmendo 10. FED para os pases da Comunidade de Desenvolvimento da frica Austral (SADC). Desminador HALO utilizando um detector de metais para procurar minas num campo da provncia do Bi, onde os retornados construram as suas casa. The HALO Trust Mapa de Angola. Organizao das Naes Unidas Angola Reportagem

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40 A euros arrancar, as pessoas “tinham de usar os seus prprios mecanis mos” para obter gua em condies, diz Mauro di Veroli, o coordenador do projec to na Delegao da CE em Angola. A gua era extremamente cara, apesar do preo de Spciales l’Export (TSE)” est a construir as infra-estruturas dos dois reservatrios de distribuio – um est completamente pronto – que levam a gua s torneiras por gravidade e bombas propulsoras. Vai construir igualmente 400 chafarizes, cada um com 4 torneiras. Cento e oitenta j esto prontos, diz Mauro longo do labirinto de ruas de Cazenga. Roberta Virgilio, da ONG italiana “Gruppo di Volontariato Civile (GVC)”, est a implan tar sistemas de gesto para estes pontos de gua, juntamente com outras duas ONG, cada uma delas cobrindo uma zona especfica de Cazenga: Cazenga Popular, Talahadi e Hoji ya Henda. Quando estiverem a funcionar plenamente, Roberta Virgilio diz que todos os pontos de gua sero controlados por um ‘zelador’ ou uma ‘zeladora’, ou seja, a pessoa que vai cuidar desse chafariz. Espera-se que a empresa que fornece gua a Luanda, Empresa de guas de Luanda (EPAL) – que j est a receber assistncia tcnica no mbito do projecto da CE – faa contratos com as associaes locais, ‘Associao de Moradores para a Gesto de Chafarizes’ (AMOGEC). Cada uma destas associaes ficar responsvel por 15 chafarizes e por assegurar as informaes aos consumidores e pagar igualmente um salrio mensal de 100 dlares ao zelador. Prev-se que a EPAL introduza um sistema de cartes pr-pagos para a gua aos preONG portuguesa Instituto Marqus de Valle Flr (IMVF), disse-nos que a sua ONG vai distribuir em breve gratuitamente 5000 recipientes no mbito do projecto para transportar gua higienicamente. Outras ONG, incluindo a Development Workshop (DW) e a OXFAM, esto envolvidas na construo de latrinas, na gesto dos resduos domsticos e tambm no reforo da capacidade de pedreiros locais e em equipamentos para melhorar o saneamento do ambiente e a higiene pessoal. Grupos de teatro de Cazenga tambm esto envolvidos no projecto para fazer passar a mensagem aos residentes sobre o sistema de cartes pr-pagos. O projecto desencadeou igualmente ideias dos clientes sobre outras questes, por exemplo como gerir as guas usadas.> O 10. FED centra-se no reforo de capacidades O 10. FED vai procurar dar mais apoio institucional para a gesto do abastecimento de gua, em vez da construo de novas infraestruturas no sector da gua e do saneamen euros do 10. FED para projectos destinados a aumentar o nmero de trabalhadores quali ficados e modernizar a prestao de servios. Tambm sero atribudos fundos para elaborar uma estratgia destinada a melhorar a quali dade da gua domstica, apoiar as instituies do sector da gua e dar ajuda para delinear um programa nacional de saneamento. D.P. D.P. Um projecto do 9. FED vai assegurar o abastecimento fivel de gua potvel e melhorar o saneamento em Cazenga, um bairro na periferia urbana de Luanda, onde se calcula que habitam dois dos seis milhes de habitantes da cidade. Pretendese assim ter gua mais barata e uma maneira precursora de gerir este recurso. apenas um dos projectos que a CE financiou neste sector desde o fim da guerra. Palavras-chaveCazenga; gua; saneamento; reforo de capacidade; 9. FED; 10. FED; GVC; TSE; IMVF; DW; OXFAM; Debra Percival.Participao das comunidades na GESTO DA GUA Poo financiado pelo FED, Cazenga, Luanda, Angola, 2009. Debra Percival ReportagemAngola

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A UNITA o principal partido da oposio na Assembleia Nacional, a guerra os seus redutos situavam-se nas provncias do Huambo e do Bi, na regio central de Angola, e agora, em tempo de paz, Samakuva alega que a UNITA tem apoios em todos os 550 municpios de Angola. Falmos com ele nos arredores de Luanda, sobre a direco de um partido poltico na oposio e as polticas para aumentar o seu apoio. simpatizante. Depois permaneceu doze anos na de brigadeiro. A seguir foi designado representante da UNITA no Reino Unido durante quatro anos e em 1994 integrou a delegao da UNITA s conversaes de paz. Quando a guerra recomeou em 1998, foi para Paris, onde permaneceu durante quatro anos como coordenador das misses externas da UNITA. Com a morte do anterior lder da UNITA, Dr. Porque que a UNITA no tem muito apoio em tempo de paz? No se pode acreditar nos resultados das ltimas eleies. Queremos saber quantos somos. Tal como a Unio Europeia (ver introduo), elabormos um relatrio na sequncia das eleies. A partir dos prprios dados da Comisso A OPOSIO CONTESTA o poder do governo na Assembleia NacionalEntrevista com o Presidente da UN ITA , I saas Samakuva Isaas Samakuva Presidente da Unio Nacional para a Independncia Total de Angola (UNITA). Fundada em 1966, participou, juntamente com o Movimento Popular de Libertao de Angola (MPLA), na luta pela independncia e posteriormente combateu o MPLA na guerra civil entre 1975 e 2002, altura em que a UNITA foi apoiada pela China e mais tarde pelos Estados Unidos e pela frica do Sul. N. 10 N. E. – MARO ABRIL 2009 41 Em cima: Presidente da UNITA, Isaas Samakua, 2009. Debra PercivalEm baixo: Luena, onde foi assinado o acordo de paz em 2002. Massimo PronioAngola Reportagem

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42 Nacional Eleitoral percebemos que aparecesabe de onde vieram). Um clculo mnimo dos eleitores em cada caderno acrescenta trs milhes de votantes ‘fantasmas’. De acordo com o plano nacional de eleies, supunha-se dia apareceram 50.900. A intimidao durante as eleies foi grande, no apenas em Luanda, mas em todo o pas, por isso os resultados no expressam a vontade do povo. Do ponto de vista poltico quais so os seus planos para aumentar o apoio UNITA? A populao deste pas precisa de uma mudana de direco. A economia precisa de ser diversificada. Est tudo concentrado no petrleo e nos diamantes. necessrio dar ateno agricultura. No existem ferramentas e as pessoas precisam de ajuda quanto utilizao dos adubos. O pas precisa de formar pessoas que possam ir para as zonas rurais ensinar os agricultores a usarem adubos e a venderem e diversificarem a sua produo: h zonas que so boas para milho, enquanto outras podem ser boas para fruta. Alguns cidados esto a fazer um esforo neste sentido, sem ajuda de ningum. Tambm temos outros minrios, muito boas jazidas de ouro, mas ningum toca no ouro. Os japoneses estavam muito interessados no nosso ferro. Possumos igualmente cobre, nquel e fosfatos. O que faria para assegurar que os benefcios chegam ao cidado comum? As empresas deviam ser obrigadas por lei a olhar pelo domnio social. Os empregados deviam beneficiar dos lucros das empresas. Se for Lunda Norte e Lunda Sul (provncias de explorao de diamantes), a estrada de Lunda Sul para Lunda Norte muito m. Algumas pessoas das regies que produzem petrleo vivem na misria: no tm electricidade nem escolas. Esto a ser feitos alguns esforos, mas no suficiente. Algumas empresas petrolferas tm projectos, outras absolutamente nada. Qual a sua opinio sobre a influncia chinesa no pas? bom ter relaes com um pas que muito dinmico, mas deve ser de acordo com as regras internacionais. Deve haver transparncia. Ningum neste pas, exceptuando aqueles que negoceiam directamente com a China, sabe quanto que estamos a obter. A Assembleia Nacional (AN) no sabe, mas a Constituio do pas estabelece que quaisquer crditos devem passar pela AN, bem como a responsabilizao do governo. Vemos estradas, hospitais e escolas a serem construdos com crdito da China e de outros, mas o que que se passa? Vemos muitos chineses a trabalhar, enquanto os angolanos procuram trabalho e aquilo que os chineses esto a fazer no trabalho qualificado. Qual a filosofia da UNITA e a sua viso em tempo de paz? O cidado constitui o ponto de partida e de chegada de qualquer aco do governo. Temos de dialogar, de consultar e de ouvir os cidados. Pensamos que a formao, a alimentao e a sade so as coisas que tm de ser resolvidas em primeiro lugar. Antevejo uma Angola prspera onde esto presentes os valores da justia social, da solidariedade, do respeito dos direitos humanos e da democracia. D.P. Palavras-chaveIsaas Samakuva; UNITA; MPLA; Dr. Jonas Savimbi; China; Debra Percival. A UE AVALIA ELEI’ES QUE CONSTITURAM UM MARCO segundas que se realizaram em Angola desde a independncia de Nacional Eleitoral (CNE) de Angola, a Vice-Presidente do Parlamento Europeu, Luisa Morgantini (Deputada italiana pertencente ao Grupo da Esquerda Unitria Europeia – Esquerda Nrdica Verde), dirigiu controlaram 405 assembleias de voto em 18 provncias. O seu relatrio final concluiu, numa nota positiva, que as eleies constituram um passo para o reforo da democracia. Uma elevada afluncia de eleitores (mais de 80 por cento em muitas provncias) assinalou um empenhamento claro no processo democrtico, deixando para trs membros da Assembleia Nacional de Angola so mulheres. Mas a misso apontou debilidades na organizao das eleies, designadamente alguma desigualdade durante a campanha quanto cobertura da oposio por parte dos meios de comunicao controlados pelo Estado, tendo a Televiso Pblica de Angola (TPA), a Rdio Nacional de Angola (RNA) e o dirio Jornal de Angola dado mais espao e tempo ao vencedor MPLA. Para consultar o relatrio completo: www.eueomangola.org Cartazes do Presidente da Repblica, Jos Eduardo dos Santos, por todo o lado em Luanda, 2009. Debra PercivalEm baixo: MPLA com grande maioria na Assembleia Nacional. Sinais de rua, Luanda 2009. Debra Percival ReportagemAngola

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43 N. 10 N. E. – MARO ABRIL 2009 “ Ns (Angolanos) ainda no nos encontrmos”, diz Joo Castro ‘Liberdade’, Secretrio-Geral da Liga Internacional de Defesa dos Direitos Humanos e Ambiente Internacional (LIDDHA) criada em 1999. Uma retrospectiva pela histria de Angola explica como a falta de respeito pelos direitos dos cidados a herana secular da influncia estrangeira no pas: quatrocentos anos de regime colonial portugus, durante os quais as pretenses dos Angolanos eram rejeitadas, conduzi ram ao conflito armado. Seguiu-se o conflito em solo angolano, opondo o Leste contra o Oeste para dominar a frica durante a Guerra Fria. Um exemplo da falta de unidade entre grupos nas 18 provncias do pas, afirma Joo Castro ‘Liberdade’, o facto de ainda no serem aceites como o rpido desenvolvimento econmico elevaram o pas a um nvel metafrico cinco, mas sem passar pelos nveis um, dois, trs e quatro, afirma Joo Castro ‘Liberdade’, e prossegue: “Entrmos em rbita, mas no sabemos para onde vamos.” “Muitas pessoas desconhecem os seus direitos”, prossegue Simo Yakitenge Ngola Lutumba, Presidente do Conselho Multissectorial para o Desenvolvimento Integral (CMDI, independentemente de se tratar de prisioneiros, mulheres ou pobres. Reunindo-se connosco em Luanda, em Fevereiro ltimo, os grupos de direitos humanos disseram que a situao tem melhorado desde o final da guerra civil, h sete anos, mas todos apresentaram exemplos de leis que esto a ser contornadas. Salvador Freire dos Santos, da associao Mos Livres, explica a necessidade de uma investigao total e imparcial de incidentes como os que deram origem s mortes sumrias imputadas polcia [citando Quanto ao direito informao, embora estejam a emergir novos rgos, ainda predominam jornais financiados pelo Governo, como o Jornal de Angola, e a televiso pblica. A falta de financiamento torna difcil a sobrevivncia de rgos de comunicao social independentes e nenhuma rdio local independente pode difundir para alm de um raio faz muita falta, principalmente nas provncias. Este vazio permite a interveno dos doadores, afirma ainda (ver Caixa).> Residncias privadas em riscoYakitenge, cuja ONG opera no domnio da sade e da educao, afirma num relatrio recente, elaborado pela sua ONG, que encontrou a maior incidncia de pobreza em Lunda Norte e Lunda Sul, provncias OS ANGOLANOS tm de estar mais cientes dos seus direitos, afirmam as ONGAs organizaes angolanas de direitos humanos desejam reforar os direitos dos cidados do pas para consolidar a reconciliao nacional, que tem progredido desde o fim da guerra em 2002. Muitas ONG tambm aguardam o reconhecimento do Governo. Responsvel pelos Direitos Humanos, Francisco Tonga, preocupado com desenvolvimento invasor, 2009. Debra Percival Angola Reportagem

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do Nordeste de Angola onde as pessoas esto proibidas de trabalhar nos campos, devido s minas de diamante. necessrio intensificar o dilogo com o Governo: “Temos de examinar outras formas de aco”, gam 1800 e esto repletas de jovens, muitos dos quais esto detidos sem julgamento. Francisco Tonga do Conselho de Coordenao dos Direitos humanos, estabelece uma relao directa entre a falta de respeito por certas reas e a pobreza persistente de muitos angolanos. A sua ONG recebeu 80.000 euros do Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED) para informar os cidados sobre os seus direitos. Olhando do telhado do seu escritrio, perto do aeroporto, h uma questo que se depara aos Angolanos que vivem na periferia mais pobre de Luanda: enormes edifcios comerciais que invadem as reas de habitaes privadas e foram algumas pessoas a abandonar a regio para cederem o lugar ao desenvolvimento econmico moderno. Tonga afirma que os grupos dos direitos humanos tambm devem ter uma palavra a dizer na actual reforma constitucional. Todas as ONG solicitaram que os fundos do Governo, das entidades privadas e do fundo social, criado pelas companhias petrolferas fossem atribudos de forma mais transparente. Joo Castro ‘Liberdade’ afirmou que foi quase impossvel a uma ONG angolana candidatar-se a um projecto financiado pela UE: “Isto no nada bom no Terceiro Milnio”, disse-nos. D.P. Palavras-chaveAngola; direitos humanos; Joo Castro ‘Liberdade’; Francisco Tonga; Simo Yakitenge Ngola Lutumba; Debra Percival. A UE APOIA RDIO INDEPENDENTE nica politicamente independente, de Luanda, a ‘Radio Ecclesia’. O World Service Trust da BBC formar jornalistas para aumentar as reportagens capazes de “cobrir os processos democrticos locais de uma forma equilibrada, objectiva e estimulante”. Os programas sero realizados por agentes no estatais e Pas do IMBONDEIRO Pas do IMBONDEIRO O turismo uma actividade quase desconhecida em Angola e continuar a ser um sonho para a maior parte – pelo menos por enquanto. Falmos com Massimo Pronio, que trabalhou para a Delegao da CE em Angola entre 2004 e 2007 e aproveitou os tempos livres para descobrir as belezas ocultas do pas. A assinatura do Acordo de Paz de Luena em 2002, anunciando uma nova era de reconciliao, paz e estabilidade nacionais, apostava no desenvolvimento do potencial turstico para diversificar a economia. Tendo em conta que a infra-estrutura turstica do pas pobre e que a manuteno das principais estradas um imperativo devido s minas terrestres ainda enterradas, o sector comea apenas a desenvolver-se. 44 ReportagemAngola

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Para Pronio, quer se circule ao longo da costa ou nas plancies do interior, no Planalto, o Imbondeiro (ou Mukua, em quimbundo) domina a paisagem. Angola tem uma mirade de belezas naturais: litorais impressionantes, mares ricos em peixe, colinas, montanhas e reas de plancie, rios (povoados de crocodilos) e quedas de gua esplndidas. O seu clima varia entre tropical no Norte, junto fronteira com a RDC, e o quase deserto no Sul confinando com as costas da Nambia, descreve Pronio. Nas zonas mais no fim da governao colonial portuguesa, a que O Delegado diz que a Palanca Negra Gigante, um tipo de antlope magnfico que se pensava extinto, foi vista nos ltimos cinco anos na Reserva do Parque Cangandala, perto de Malanje, mas esta espcie simblica para Angola ainda est na lista mundial das espcies gravemente ameaadas de extino. As Quedas do Calandula, perto de Malanje, ficam a poucas horas de carro de Luanda. V por Pungo Andongo para ver as magnficas Pedras Negras, que so enormes rochedos arredondados. A capital, Luanda, foi planeada na era colonial como uma pequena cidade rural perto do mar com um grande porto e uma extensa baa, com passeio (‘A Marginal’). Hoje, est superlotada, paralisada pelo trfego e no especialmente acolhedora. Se ficar em Luanda, diz Pronio, visite o monumento a Agostinho Neto, a Fortaleza e a “Ilha”, uma magnfica pennsula com praia. > Maravilhas naturais de Angola Para pequenas viagens de um dia a partir de Luanda, Pronio recomenda a Barra do Dande, o Forte de Mushima, as Fortalezas de Massangano, a Reserva de Quissama, o Rio Longa e duas aldeias piscatrias a cerca de duas a trs horas a sul de Luanda: Cabo Ledo e Cabo So Brs. Um ponto obrigatrio do trajecto o Miradouro da Lua, uma das maravilhas geolgicas de Angola. Se tiver mais tempo disponvel, passe pela magnfica cidade costeira de Benguela e admire o famoso curso de gua do mesmo nome. Seguidamente, prossiga na direco de Catumbela e Lobito at pennsula (Ilha). A sudoeste de Benguela h a Baa Azul, Caota e outras reas, Baa Farta, onde falsias arenosas se debruam sobre o oceano de cristal. Lubango uma belssima cidade numa zona agrcola, famosa pelos seus morangos. Arranje tempo para visitar o Canho de Tundavala, aconselha Pronio. A estrada sinuosa em direco Nambia, a duas horas de Lubango, atravs de maravilhosas montanhas da Serra da Leba, uma faanha de engenharia. A estrada tem sete camadas de asfalto e foi financiada pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED). medida que desce, h a probabilidade de encontrar membros do grupo tnico de Mukuwuila trajando roupas tradicionais altamente coloridas. Namibe uma magnfica cidade costeira ladeada pelo deserto com uma esplanada e palmeiras. Continue o seu percurso rumo cidade de Tombwa, mais a sul, outrora conhecida pela sua indstria pesqueira, mas hoje pouco povoada devido ao avano do deserto e penria de gua. Um primeiro encontro com o Deserto de Namibe d-se entre Namibe e Tombwa em forma de “Osis do Arco”, uma lagoa formada pelo Rio Curoca, que tira o seu nome de uma rocha em forma de arco, diz Pronio. Dirigindo-se para sul atravs do deserto, chega ao esturio do Rio Cunene (Foz do Cunene), que, sendo embora um posto fronteirio, um excelente local para pescar e observar focas, tartarugas marinhas e golfinhos. Chegar ali parte da aventura. Pode-se l chegar atravessando o Parque Iona e acampando no deserto (descubra a Welwitschia Mirabilis, uma planta do deserto) ou faa uma viagem de dois dias ao longo da costa e acampe nas dunas de areia. A viagem s pode ser feita em determinados dias e quando a mar estiver baixa. Completamente imune aos humanos, a zona terra de focas e de tartarugas marinhas. Na costa, admire os flamingos locais e, no horizonte, observe os saltos dos golfinhos no mar. Em terra, prximo do oceano, antlopes Oryx sobem s dunas de areia. E descer at costa, onde o deserto beija o oceano, passando pela Baa dos Tigres, uma experincia nica em si mesma. V a Angola, nem que seja s para isso, aconselha Pronio. D.P. Palavras-chaveMassimo Pronio; Turismo; Angola; Nambia; Lubango; Benguela; Luanda; Imbondeiro; Palanca Negra Gigante; Debra Percival. Pgina 44: A “rvore Sagrada Baobab” vista do cho. IStockphoto.com /Marco SimontacchiEm baixo: O Miradouro da Lua, uma das maravilhas geolgicas de Angola, 2009. Debra Percival 45 N. 10 N. E. – MARO ABRIL 2009Angola Reportagem

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46 A ngola est viva e recomenda-se na altura de abraar esse longo sonho h muito esperado: um regresso Histria atravs de uma afirmao da cultura que permita descobrir o seu verdadeiro lugar no tempo atravs dos mais variados eventos: cinema, teatro, publicao de livros e de discos, concertos de msica por artistas locais, declamaes de poesia, conferncias e debates. Angola transborda de esperana. A importncia do petrleo definhar. talvez se revelou ser a sua tarefa mais difcil: forjar uma identidade, a “Angolanidade”. Isto implica, por um lado, reconhecer a sua realidade nacional actual e a herana do passado e, por outro, as contribuies positivas vindas do exterior. Este fenmeno, que tem vindo a afirmar-se cada vez mais na sociedade angolana, no inteiramente novo. Repare-se, por exemplo, na histria das lutas e aspiraes dos Afroamericanos a partir da segunda metade dos anos 40. Vejamos tambm o primeiro Presidente da Repblica Popular da Angola, Agostinho Neto (mdico, poeta e Presidente da Repblica Popular de Jacinto, os arautos da nova arte potica da “Angolanidade”. Este grupo capitalizou o momento histrico e criou o etos e a referncia esttica da vanguarda.> As origens do JazzA recorrncia de poemas alusivos escravatura – a hemorragia dolorosa do nosso potencial humano – e o Blues – a maior expresso da msica americana de raiz africana – constituem as origens da msica de Jazz, que esto associadas ao sofrimento dos africanos levados para o Novo Mundo, assim como com os piores aspectos do capitalismo: a escravatura e o racismo. As lutas e aspiraes do Afroamericano – desde o escravo ao cidado – tiveram a maior influncia no despertar das elites africanas para a conscincia. Hoje, o esprito de abertura que caracteriza os Angolanos reflecte-se na msica. A msica um dos melhores meios de conhecer Luanda, a capital angolana. Os cantores e os msicos exprimem-se cada vez mais atravs do Semba, a principal msica de Angola, combinada com a liberdade e a improvisao do Jazz. O resultado o Semba Jazz, uma msica recheada de sabores e aromas. executada por artistas que conhecem bem o seu passado e acreditam que as suas razes no sero obstculo ao crescimento, ao contrrio ajud-los-o a crescer ainda mais, como Mrio Garnacho (piano), Hlio Cruz (bateria), Wando Moreira (baixo), Dal Roger (percusso) ou ainda, o cantor Afrikhanita. O Oceano Atlntico aproximou esta msica – cujo principal objectivo levar as pessoas a reunirem-se e a danar –, cumprindo assim um velho sonho: o regresso frica. em Angola.Jernimo Belo*A vibrao de Angola e os esforos envidados por milhes de pessoas do povo na reconstruo do pas, aps um conflito armado longo e sangrento, que permite reunificar as famlias e iniciar o desenvolvimento do pas, no suscitaram muita curiosidade do exterior em comparao com a observao dos preos do petrleo e as oportunidades de negcios neste pas potencialmente rico. Para melhor se compreender este pas em reconstruo constante, essencial proceder a uma apreciao da cultura angolana. A cantora angolana Afrikhanita. Divaldo GregrioANGOLA reencontra o seu lugar na Histria ANGOLA reencontra o seu lugar na Histria Palavras-chaveAngola; Agostinho Neto; Semba Jazz; Afrikhanita. ReportagemAngola

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Outrora centro nevrlgico da Europa central, Praga hoje catapultada para a cena europeia. Assumindo pela primeira vez a presidncia da Unio Europeia desde a nao, mas no sem uma certa apreenso, que conduz as negociaes entre os vinte e sete. Negociaes tornadas mais difceis com o espectro da crise econmica generalizada. Mas o checos aprenderam com a sua histria – rica e abundante, dura por vezes mas sempre apaixonante – a no baixar os braos. E a defender contra ventos e mars os direitos humanos. Uma Bomia checaUma reportagem de Marie-Martine BuckensN. 10 N. E. – MARO ABRIL 2009 47 Ruas de Praga, 2009 Marie-Martine Buckens D escoberta da Europa

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48 As fronteiras da Bomia esto delimitadas por cadeias de montanhas, nomeadamente os montes Metalferos ou os montes dos Gigantes, separando-a da Alemanha a Oeste, da Polnia a Nordeste, da provncia de Morvia a Este e da ustria a Sul. Posio central que ir atrair a cobia de monarcas e de outros imperadores. Aps a dinastia dos Premyslidas iniciada por Libuse, a qual, instalada em Praga, deu origem ao primeiro estado checo, a Bomia, inte grada a partir do sculo X no Sacro-Imprio Germnico, conhece uma verdadeira idade de ouro na Idade Mdia. O Imperador Carlos IV – cujo nome foi dado clebre ponte em pedra ornamentada de esttuas que atravessa o rio Vltava – transforma a Bomia na cidade mais importante da Europa, criando a a primeira universidade da Europa central. Seguir-se-, no incio do sculo XV, a primeira fronda dos camponeses e dos nobres checos contra o A BOMIA, no cruzamento entre o ORIENTE e o OCIDENTERepresentando cerca dos dois teros da superfcie e da populao da Repblica Checa, sendo que a Moldvia ocupa o resto do territrio e no esquecendo uma pequena fraco da Silsia, a Bomia permanece o “melting pot” do que veio a ser mais tarde a Checoslovquia e, a seguir, a Repblica Checa. Ponte em Praga, 2009 Marie-Martine Buckens Esttua de Jan Hus, reformador e primeiro decano da Universidade Charles, Praga, 2009. Marie-Martine Buckens Praga Descoberta da Europa

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49 N. 10 N. E. – MARO ABRIL 2009 Imprio catlico, a qual terminou, vinte anos mais tarde, com a derrota dos revoltados. Um sculo mais tarde, os Habsburgos austracos apoderam-se da coroa da Bomia, dando incio a um reinado de 400 anos. Apesar de Rodolfo II, um imperador particularmente iluminado no seio da famlia dos Habsburgos, trazer para Praga o esprito do Renascimento, a revolta protestante ganha cada vez mais fora no incio do sculo XVII, conduzindo guerra dos Trinta Anos.> NascimentoFoi necessrio esperar pelo sculo XIX para que, estando o domnio austraco mais enfraquecido, os checos redescubram a sua cultura e a lngua checa seja novamente autorizada. A primeira guerra mundial avizinha-se no horizonte. O seu eplogo assistir ao fim do imprio Austro-Hngaro e ao nascimento de um novo pas. A Checoslovquia nasce em 1918. Vinte anos aps o seu nascimento, a Repblica uma das primeiras vtimas das manobras polticas que antecedem o domnio nazi na Europa. Apesar de Praga sair da segunda guerra sem rasto de destruio, a comunidade judaica – cerca de um tero da populao de Praga – paga um tributo pesado ocupao nazi, com a perda de cerca de trs quartos dos seus membros. A libertao ocorre com a chegada das tropas soviticas, que entram em Praga em Maio de 1945, aps a sublevao da cidade. Uma libertao envenenada. Aps trs anos no poder, o governo de coabitao, reunindo todos os partidos criados na resistncia, radicaliza-se. Em 1948, a Checoslovquia afunda-se num regime estalinista liberticida que ir durar mais de 40 anos. Os Judeus, os intelectuais e at os comunistas checos so so presos, sendo 11 condenados morte aps os “processos de Praga”. Descobrir-semais tarde que as provas e confisses tinham sido forjadas. Trs so condenados priso perptua, entre os quais Artur London, judeu comunista, nomeado em 1949 vice-ministro dos para Frana. Trs anos mais tarde, publica A Confisso, adaptada em filme pelo realizador grego Costa Gavras.> A Carta 77 todos os checos, dos europeus: os tanques do Pacto de Varsvia esmagam a tentativa de resistncia dos praguenses. Um ncleo de intea atitude repressiva do governo, intelectuais ando um apelo ao governo para o respeito da Carta dos Direitos Humanos assinada um ano antes em Helsnquia. Entre eles, encontra-se um certo Vclav Havel, dramaturgo que, em 1989, ser nomeado presidente na sequncia da revoluo de veludo. Quatro anos mais tarde, torna-se presidente da Repblica Checa, aps a sua partio com a Eslovquia. ultraliberal Vaclav Klaus, primeiro-ministro na altura. Ser ele, apesar de europessimista, a preCheca na Unio Europeia. M.M.B. Palavras-chaveBomia; Imperador Carlos IV; Vclav Havel; Vaclav Kraus; Artur London; Marie-Martine Buckens.Longe vai o tempo em que o cristal de chumbo – jia da Bomia e principal produto de exportao e de emprego – era essencialmente fundido nas vidreiras artesanais, espalhadas pelas montanhas da regio, desde o sculo XVII. Com o passar do tempo, as fundies adquiriram uma dimenso industrial. Deste modo, a fbrica de Svelta ser primeiro nacionalizada pelo regime comunista e privatizada nos anos 90, aquando da passagem economia de mercado. A populao da cidade acompanhou a evoluo industrial, passando dos A sociedade-me Bohemia Crystalex Trading (BCT) e a sua sociedade parceira Porcela Plus (PP), especialista em porcelanas, que empregam na de locais diferentes, davam incio no final de Quais as razes desta debandada? Para o chefe dos sindicatos da fbrica de Svetla, um dos principais erros foi o abandono voluntrio, pouco depois da queda do comunismo em 1989, do mercado tradicional russo, imediatamente tomado pela concorrncia e pela orientao para o mercado dos Estados Unidos, fatal devido queda da nota verde e do reforo da moeda checa. Acresce-se ainda o aumento do preo das matrias-primas – potssio, mnio mas tambm da electricidade – e a concorrncia cada vez mais agressiva, principalmente asitica. Resultado: outrora prspera, a fbrica acumulou dvidas num montante de 4 mil de euros. M.M.B. LGRIMAS DE CRISTALEm Setembro do ano passado, a fbrica Sklo Bohemia, situada na cidade de Svetlanad-Sazavou, a 80 km a sudeste de Praga, apagava os seus fornos onde era fundido o clebre cristal da Bomia. Algumas semanas mais tarde, a empresa fechava a sua segunda maior fbrica, em Podebrady, a cerca de 50 km a leste de Svelta. Sacrificadas no altar da crise. Palavras-chaveCristal; Bomia; Svetla; Marie-Martine Buckens. Marie-Martine BuckensPraga Descoberta da Europa

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COOPERAOUm VENTO FRESCO vindo da Europa central Um VENTO FRESCO vindo da Europa centralEncontro com Petr Jelinek, responsvel pela A gncia de D esenvolvimento checa, recentemente criada pelo Ministrio dos Negcios Estrangeiros. Encontro com Petr Jelinek, responsvel pela A gncia de D esenvolvimento checa, recentemente criada pelo Ministrio dos Negcios Estrangeiros. 50Castelo de Praga. Marie-Martine Buckens Praga Descoberta da Europa

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51 N. 10 N. E. – MARO ABRIL 2009 “A nossa poltica de cooperao visa em primeiro lugar os pases da Europa oriental, afirma desde j Petr Jelinek, prosseguindo: depois, alguns pases da sia e, finalmente, de frica. Se analisarmos com ateno, a maioria dos pases que beneficiam de financiamentos checos para a cooperao aderiram num ou noutro momento da sua histria ao social-comunismo. Tal como, nos anos que seguiram a Segunda Guerra Mundial em que a cooperao para o desenvolvimento conheceu um grande impulso, a Repblica Checa – a Checoslovquia na altura – inteessencialmente ditada pelo “Grande Irmo” sovitico. As novas alianas com os pases de Ultramar eram decididas em Moscovo. Alianas decididas em plena Guerra Fria de modo a contrabalanar a influncia dos ocidentais – nomeadamente e sobretudo nas suas antigas colnias de sia ou de frica. No ento de estranhar que entre os oito pases considerados prioritrios pelo governo para beneficiar da ajuda pblica ao desenvolvimento para o peroVietname, a Srvia, a Bsnia e Herzegovina e o Montenegro, mas tambm Angola e a Zmbia em frica, assim como a Monglia, a Moldvia e o Imen, devido aos laos estabee a China com o Imen do Sul. Sem esquecer [sublinha Petr Jelinek] o Afeganisto e o Iraque, para os quais a ajuda essencialmente de natureza humanitria. Uma cooperao que % do PNB da Repblica Checa. “O objectivo no vamos conseguir. Podemos dar-nos por felizes se conseguirmos um aumento de 0,01 % do PNB todos os anos”, sublinha Petr Jelinek. Com o consentimento da populao: 50 % das pessoas entrevistadas no ano passado estavam dispostas a aceitar um aumento das taxas para ajudar os pases desfavorecidos. > A aventura angolana“As nossas relaes de cooperao privilegiadas com pases como Angola, mas tambm com a Etipia, no se limitaram apenas a actividades no terreno. Desta forma, no mbito da cooperao cientfica e tcnica com Angola, uma centena de angolanos vieram estudar na antiga Checoslovquia, sendo que um membro do actual governo angolano. A nossa cooperao foi intensa entre de uma centena de Checoslovacos terem sido raptados pelos rebeldes da Unita. Aps a guerra civil em Angola, as necessidades de reconstruo do pas eram enormes. depois de analisar a situao: verdade que o pas conhece um crescimento espectacular graas ao seu petrleo, verdade que beneficia de recursos financeiros provenientes da China. Contudo, ao mesmo tempo, tem de enfrentar presentemente a queda do preo do barril, e cerca de trs quartos da populao vive ainda abaixo do limiar da pobreza. Desta forma, a nossa cooperao concentra-se actualmente na educao ou na agricultura.” Outro pas de frica onde a Repblica Checa est presente, a Zmbia, “onde as nossas actividades no so to intensas” sublinha Petr Jelinek, acrescentando: “em contrapartida, muito provvel que a nossa cooperao com a Etipia seja sequncia dos problemas encontrados aps as > Pele novaPara levar a bom termo a sua poltica de cooperao, o Ministrio dos Negcios Estrangeiros decidiu centralizar, no seio de uma nica agnpor nove ministrios diferentes (sade, agricultura, etc.). “Resta-nos agora poder conceder donativos, nomeadamente a ONG que esto concedemos financiamentos com base em contratos pblicos”, acrescenta Petr Jelinek. M.M.B. (tambm designado pelo acrnimo ingls Comecon) era uma organizao de entreajuda econmica entre diferen tes pases do bloco comunista. Criado por Estaline em 1949, dissolveu-se com a queda do imprio sovitico em Junho de 1991, no final da Guerra Fria. Ao lado da Unio sovitica, os seus membros eram compostos em primeiro lugar por pases comunistas da Europa de Leste: Checoslovquia, Bulgria, Hungria, Polnia, Romnia, Repblica Democrtica Alem e Albnia (tendo esta ltima abandonado o crculo aps a ruptura das relaes entre de membro associado. Outros pases no europeus aderiram Durante os seis meses da sua Presidncia da UE, a Repblica Checa est empenhada em alargar a poltica europeia de desenvolvimento aos pases da Europa oriental. Sem que isso signifique renegar os laos privilegiados estabelecidos entre a Unio Europeia e os Pases de frica, das Carabas e do Pacfico (ACP). Os de frica nomeadamente, para os quais a populao checa est disposta a fazer sacrifcios. E com uma meno especial para Cuba. Palavras-chavePraga; Repblica Checa; cooperao; Comecom; CAEM; Petr Jelinek; Angola; Etipia; Marie-Martine Buckens. OS DIREITOS HUMANOS, UMA PRIORIDADE PARA PRAGANo decorrer da sua presidncia europeia, a Repblica Checa no pretende revolucionar a poltica levada a cabo at agora em matria de cooperao. “Nada de mudanas”, confirma Petr Jelinek, “iremos contudo tentar dar continuidade s discusses com os outros grandes doadores interna cionais com vista a aumentar a eficcia da ajuda”. Existe, todavia, um domnio no qual Praga – o seu passado assim o exige – quer fazer ouvir a sua voz, o dos direitos humanos. “Dispomos de um instrumento especial, destinado a apoiar a sociedade civil e a imprensa independente”, sublinha o director da Agncia de Desenvolvimento checa. Esta rubrica oramental especial dirigida directa mente pelo Ministrio dos Negcios Estrangeiros. As aces de apoio destinam-se a quatro pases: Cuba, a Birmnia, a Moldvia e a Bielorrssia. Marie-Martine Buckens Praga Descoberta da Europa

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52 Acabados de chegar a Praga, qual guarda-jias no centro da Bomia, os habitantes da cidade lembramnos a profecia da princesa Libuse, chefe das tribos eslavas instaladas cerca do ano 500 no vale do Vltava (Moldava): Vejo um grande Castelo, cuja glria atinge as estrelas. O rio Vltava abre caminho a seus ps. a que tendes de ir. No centro da floresta encontrareis um homem a esculpir a soleira da sua casa. a que edificareis um castelo a que dareis o nome de Praha (Praga), palavra que significa soleira. E como todos os grandes senhores baixam a cabea para passar a soleira de uma casa, assim os maiores deste mundo baixaro a cabea diante deste Castelo. intil acrescentar – precisa o cronista de Rdio Praga, Vclav Richter que a profecia da princesa foi levada a srio: meteram-se a caminho, encontraram o homem a esculpir a soleira da sua casa e ergueram a, na margem esquerda do Vltava, um castelo em madeira mais vasto e mais sumptuoso que Vysehrad, residncia do Prncipe Premysl e da sua esposa Libuse. Prah, a soleira, a posio avanada de uma cidade dividida entre o Oriente e o Ocidente, o antigo e o moderno, o ouro dos mitos e a monotonia cinzenta do real. Como quer que seja, prossegue Vclav Richter, Praga carrega a hereditariedade da sacerdotisa lendria, tornando-se, como tinha sido profetizado, a ‘cidade de ouro’, ‘cidade das cem torres’ e mais tarde ‘me das cidades’ ou simplesmente ‘mezinha’. Praga que ao longo do tempo e de batalhas sangrentas, da construo do seu castelo que domina a cidade e das suas pontes, igrejas e casas senhoriais que rivalizam em beleza, passar a ser o centro nevrlgico no apenas do Reino da Bomia, mas de uma parte importante da Europa Central.> IndependnciaMas a histria de Praga no se fez apenas de ouro e seda. Os seus habitantes tiveram frequentemente de pagar com sangue o desejo de independncia profundamente arreigado. E tambm com o fogo. Primeiro foi Jan Hus, o primeiro reitor checo da Universidade de Praga. Grande pensador religioso, denunciou as prticas corrompidas da Igreja, o que lhe valeu o apoio incondicional tanto dos nobres como dos camponeses checos, mas sobretudo a fogueira, preparada s escondidas pelos organizadores do Conclio de Constana em 1415. A sua execuo desencadeou as guerras mais tarde, uma nova revolta, protestante, conduzir Guerra dos Trinta Anos. Depois, apenas h 40 anos, houve outro Jan, Jan Palach. maneira dos sacerdotes budistas no Vietname, este jovem estudante checo imolou-se pelo fogo para incitar o povo checoslovaco a continuar a luta e protestar contra a ocupao do seu pas. Um gesto dramtico que continua gravado na memria de todos. Ao entregar s autoridades checas uma esttua de bronze em sua honra, o Secretrio de Estado francs para os Assuntos Europeus salientou em 19 de Janeiro ltimo “os sacrifcios feitos pela Repblica Checa para defender os valores mais nobres dos Europeus, para promover a sua liberdade e para abrir caminho reunifica o do continente”. M.M.B. PRAGA . Bomia e independentePraga, onde cada pedra da calada da cidade velha lembra a histria agitada e exaltante da Bomia. Palavras-chaveLibuse; Jan Hus; Jan Palach; Vclav Richter; Praga; Bomia; Marie-Martine Buckens. Marie-Martine Buckens Praga Descoberta da Europa

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53 N. 10 N. E. – MARO ABRIL 2009 S Novembro conseguiu derrubar o regime comunista no poder. Fortalecido por esta experincia, o jovem estudante decide com um grupo de amigos criar uma ONG cujo objectivo consiste, simplesmente, em ajudar as populaes em tempos de crise: crise causada pela guerra ou pelas catstrofes naturais. “Esta diversidade de intervenes explica-se pelo facto de existir um deserto em matria de cooperao no perodo ps-comunista e ns pusemos mos obra com o que tnhamos.” People in Need ajudou em primeiro lugar os seus prximos, comeando com o Alto Carabaque, devastado pela guerra, e depois com a Bsnia. Prioridade: ajudar as pessoas a reconstruir, fornecendo-lhes material. “Os programas de desenvolvimento apenas foram lanados mais tarde”, acrescenta Simon Panek. mento a projectos humanitrios e de desenvolvimento, a ONG (www.peopleinneed.cz) no esquece as suas “razes”: trabalhar para uma sociedade mais justa e tolerante, inclusive no interior das fronteiras da Chquia onde foram implementados programas de integrao social e de informao sobre a pobreza ou os direitos humanos. Actualmente, People in Need est presente numa quarentena de pases – incluindo a frica, sobretudo na Etipia, Angola e na Nambia. Apesar de possuir um pessoal uma ONG que j tem mais de 15 anos, e um oramento que ronda os 15 milhes de euros, Simon Panek sabe que no consegue competir com as “maiores”. “Desejamos conservar a nossa diversidade, incluindo o aspecto relacionado com os direitos humanos e os programas democrticos em pases no democrticos. O que, desde o incio, constitui uma das nossas prioridades.” M.M.B. Uma ONG filha da “revoluo de veludo ”Criada por um pequeno nmero de activistas, trs anos aps a queda do comunismo em 1992, “People in Need” actualmente a principal ONG humanitria dos dez pases da Europa de Leste que aderiram Unio Europeia.A Chladova de Simon Panek. “A minha gerao no conheceu o comunismo”, diz-nos logo Martina. Simon Panek, claro, conhece-lo de nome, como todos os checos. Confessa que aceitaria, depois dos estudos, trabalhar numa ONG. E criar uma? “No, j existem em nmero suficiente. Contudo, consigo imaginar-me a organizar actividades em matria de responsabili dade social das empresas”, acrescenta. Ser que o pragmatismo se sobreps a um certo romantismo dos anos 90? Sem dvida. “H temos de aprender a reagir rapidamente se queremos sobreviver”. Trabalhar para Erasmus demonstra essa vontade: “Permite-me pr prova a minha personalidade”. Uma experi ncia que poucos checos partilham devido, segundo Martina, falta de confiana: “Penso que prprio dos checos: no sabemos vender as nossas competncias...” M.M.B. Palavras-chaveSimon Panek; People in Need; Marie-Martine Buckens.MARTINA , filha da EuropaEstudante em Praga, Martina Chladova vice-presidente de um grupo de voluntrios que acolhe estudantes estrangeiros na Repblica Checa, no mbito do programa Erasmus. Pragmtica, considera a Europa como um ponto de passagem obrigatrio num mundo em constante desenvolvimento. Palavras-chaveMartina Chladova; Erasmus; universidade; Marie-Martine Buckens. Marie-Martine Buckens Marie-Martine Buckens Praga Descoberta da Europa

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impossvel falar de todos. Deixar-nosemos ento guiar pela subjectividade, por uma paixo primeira vista. Antes de mais, paixo primeira vista por um nome: Jan Neruda, a quem Praga prestou homenagem ao rebaptizar a rua que sobe at ao Castelo de Praga, Nerudova ulice, “a rua de Neruda”. Este poeta e jornalista, falecido em 1891, descreveu com um entusiasmo feroz os pequenos burgueses de Praga na sua famosa colectnea, Os Contos de Mala Strana. Fervente admirador da sua obra, o poeta chileno Neftali Ricardo Reyes Basoalto ir adoptar o seu nome como pseudnimo: assim nasceu Pablo Neruda, > A iconoclastiaImporta tambm mencionar o inclassificvel Egon Bondy. De seu nome verdadeiro Zbynek Fiser. com 19 anos, no ano de 1949, quando a Checoslovquia se torna comunista aps o golpe de Praga em 1948, que decide falar da Shoah. Zbynek, que j pertencia a um grupo surrealista, adopta o nome judeu de Bondy em protesto contra o estalinismo anti-semita. Turbulento, apenas termina o ensino secundestudos na rea da filosofia e da psicologia. nocturno no Museu Nacional, escreve os seus primeiros poemas, exaltando a sua prpria corrente potica, o realismo total. As suas poesias sero transformadas em msica pelo grupo “Plastic People of the Universe” cujos comunista, deteno que deu origem ao famoso violao dos direitos humanos. Fazendo parte dos primeiros dissidentes checoslovacos, manteve sempre uma certa distncia com os seus “heris”, comeando por Vaclav Havel, futuro presidente do pas. Em 1994, em protesto contra a partio da Checoslovquia, deixa Praga e muda-se para Bratislava, capital da Eslovquia, onde ir ensinar o marxismo e o budismo na universidade, duas doutrinas pelas quais este estranho ateu se afeioara particularmente. > O Msticogem a um artista quase desconhecido para alm das suas fronteiras. Artista nico, Bohuslav tempo tradutor – nomeadamente de poetas franceses (Hugo, Claudel, Verlaine, entre outros, mas tambm da sua mulher) e alemes – poeta e gravador. Poeta secreto, fortemente ligado sua Bomia das terras altas, mstico e fraternal, o seu percurso representativo de toda uma cesa Suzanne Renaud com quem ele vive em lhe confiada a gesto da quinta de Petrkov. Nunca mais deixar a Bomia. Sob a ocupao nazi, a propriedade familiar requisitada. Aps o golpe de Praga, a propriedade -lhe novamente retirada e Reynek e os seus dois filhos tornam-se simples empregados na sua prpria quinta. Proibida a sua publicao, o poeta continuar contudo a sua obra at sua morte em M.M.B. DESFRUTAR de uma incrvel riquezaTodos, ou quase todos, passaram por Praga. Smetana ou Dvorak no seu conservatrio, Mucha no seu atelier, Franz Kafka em busca de inspirao literria nas proximidades do seu castelo, e, mais perto de ns, o romancista Milan Kundera. Alguns nomes, to poucos, no florilgio exuberante dos artistas checos. Palavras-chaveNeruda; Egon Bondy; Bohuslav Reynek; Marie-Martine Buckens. 54 A rua Neruda em Praga, 2009. Marie-Martine BuckensCaixa: Egon Bondy. Praga Descoberta da Europa

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55 N. 10 N. E. – MARO ABRIL 2009 S e trabalhou como fotgrafo aprendiz numa agncia de imprensa alem, em Hamburgo. Em 1950, emigrou para a frica do Sul e tornou-se Director de fotografia, Editor de Imagem e Director de Arte na lendria “Drum Magazine”. Foi durante esse perodo que fotografou momentos cruciais da vida dos sul-africanos nos anos 50. Estas fotografias representam a vida cultural e a luta dos sul-africanos durante o Apartheid e incluem personalidades histricas importantes tais como Nelson Mandela, Walter Sisulu, Yusuf Mohammed Dadoo, Father Trevor Huddleston Schadeberg considerado como um dos grandes nomes da fotografia internacional desde a segunda metade do sculo XX at aos nossos dias, testemunha de um perodo histrico nico, documentado atravs de momentos-chave tais mentou com fotografias trgicas o desaparecimento de Sophiatown, o bairro segregado de Joanesburgo conhecido como o centro simblico da cultura negra (nas artes, poltica, religio e divertimento) nos anos 40 e 50. Em Fevereiro de 1955, os residentes foram centro da cidade, sendo a resistncia pacfica. O governo mandou arrasar Sophiatown no final de brancos, ao qual deram o nome de Triomf (triunfo em africnder). na Europa e na Amrica, em diversas revistas de prestgio. Antes de regressar frica do Sul em 1985, Jurgen viveu em Londres, Espanha, Nova Iorque e Frana. As fotografias desse perodo representam imagens abstractas, sendo ao mesmo tempo um documentrio social e uma viso modernista. “Quando cheguei frica do Sul, em 1950, vindo da Alemanha”, escreve Schadeberg, “encontrei duas sociedades que viviam em mundos paralelos, sem qualquer tipo de comunicao”. “Havia um muro invisvel entre estes dois mundos. O Mundo Negro, ou “Mundo no-europeu” como era descrito pela sociedade branca, era cultural e economicamente rejeitado pelo Mundo Branco. S os funcionrios e os trabalhadores domsticos podiam entrar no Mundo Branco.” “Nos anos 50, o Mundo Negro tornou-se cultural e politicamente muito dinmico, enquanto que o Mundo Branco parecia-me isolado, fechado sobre si, colonial e ignorante do Mundo Negro.” “Enquanto recm-chegado e estrangeiro, conseguia com alguma facilidade saltar de um mundo para o outro... por exemplo, noite, podia fotografar um baile mascarado branco nos Paos do Concelho, e na manh seguinte uma reunio do ANC Defiance Campaign” Schadeberg j exps em museus e galerias no mundo inteiro e os seus trabalhos esto guardados em instituies de prestgio tais como La Maison Europenne de la Photographie, em Paris e o Victoria & Albert Museum, em Londres. Sandra FedericiA FRICA DO SUL a preto e branco A FRICA DO SUL a preto e brancoA vida nos bairros residenciais para brancos e na Township negra, os xitos musicais dos anos 50, personalidades extraordinrias como Miriam Makeba: estes so os temas das magnficas fotografias a preto e branco de Jrgen Schadeberg, que estiveram expostas na Ariete Gallery, em Bolonha, at 25 de Fevereiro de 2009. Palavras-chaveJurgen Schadeberg; fotografia; frica do Sul; Apartheid; Alemanha. Jrgen Schadeberg, Nelson Mandela in his Law Office, 1952, impresso em 2007. Cortesia de Galleria L’Ariete artecontemporanea, Bologna C riatividade

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As danas eram muito tradicionais at dcada de 80, altura em que se comeou a sentir um interesse cada vez mais acentuado pelas formas artsticas africanas contemporneas. Em 1995, a associao francesa “Afrique en cration” organizou, em Luanda (Angola), a primeira bienal “Rencontres de la cration chorgraphique d’Afrique et de l’Ocan Indien”, um concurso coreogrfico africano e do Oceano ndico. A partir de 1995, Tem aumentado o nmero de companhias contemporneas de produo africana e a sua abordagem tem mudado imenso. Algumas mantm a tradio, enquanto outras, muito embora reconheam os valores tradicionais, tendem a propor algo de novo, moderno e experimental. Mas esta vontade de dialogar entre dois mundos refutada por um terceiro movimento artstico, oposto a qualquer coisa definida como “tradio”, por outras palavras, algo estagnado. Irne Tassembedo, coregrafa e danarina que expressa a sua criatividade atravs de actuaes que combinam dana, teatro e msica, uma artista muito ambiciosa do Burquina Faso. As suas produes tm a marca de um mtodo original de investigao artstica que integra a energia explosiva da dana africana e a fora emocional e comunicativa do teatro. Em 1988, a coregrafa fundou a companhia bne com a qual produziu vrias peas de renome mundial. Outra mulher que revolucionou o mundo da dana Germaine Acogny, uma coregrafa tempo a sua prpria tcnica: uma mistura de danas africanas tradicionais e danas ocidentais clssicas e modernas. Em Dacar, tambm dirigiu Mudra Afrique, criada por Maurice Bjart e o Presidente L.S. Senghor. Dois dos artistas mais originais so Salia Sanou e Seydou Boro, fundadores da Companhia Salia n Seydou. Paralelamente ao seu espectculo “Le Sicle des fous”, uma primeira produo que despertou muito interesse, “Figninto” e “Poussires de sang” prefiguram, sua maneira, o que ser a coreografia africana de amanh. Depois, h Alphonse Tirou, um investigador e coregrafo da Costa do Marfim que se empenhou durante muito tempo em fornecer as bases tericas que faltam dana africana. Embora no negue que h vrios tipos de dana no continente africano, Tirou acredita que h movimentos bsicos que unem estas danas. Considera que algumas pessoas falam sobre a preservao das danas tradicionais como se elas fossem sardinhas a conservar em leo. Como diria Tirou, alm das vrias tendncias que cruzam o continente africano, “si la danse bouge, l’Afrique bougera” (se a dana evoluir, a frica evoluir tambm). A VITALIDADE da criao africana contemporneaElisabetta Degli Esposti MerliNos ltimos anos, aumentou o nmero de companhias contemporneas de dana e de coregrafos e artistas em frica. Para traar a histria desta forma de arte, temos de comear pelas companhias nacionais de bailado, criadas na Guin e no Senegal no despontar das suas independncias, um perodo histrico durante o qual a arte foi utilizada para reivindicar os valores e a identidade dos novos estados africanos. Palavras-chavefrica; dana contempornea, dana tradicional; Irne Tassembedo; Germaine Acogny; Salia Sanou; Seydou Boro; Alphonse Tirou. 56 A companhia de dana Salia n Seydou, Poussires de sang, Junho de 2008. Antoine Temp Criatividade

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57 N. 10 N. E. – MARO ABRIL 2009 A cinema de frica, o Fespaco de Uagadugu (Burquina Faso), teve Maro. O que surpreendeu em Uaga neste ano foi o nvel alcanado pelo cinema africano, onde j no se vem com compaixo as fraquezas e as carncias tcnicas do passado. Quanto aos prmios, os mais prestigiosos foram atribudos a pases pouco habituados ao tapete vermelho de Uaga. Se o Etalon d’Or de Yenenga, que a mais elevada recompensa, foi atribudo ao excelente, comovente e imaginativo filme “Teza” do Etope Haile Gerima, os grandes vencedores do festival so, no entanto, a Arglia que ganha um tero dos prmios atribudos, Marrocos e a frica do Sul. A Arglia ganhou, entre outros, o Poulain d’Or (melhor curta-metragem de fico) com o “Sektou” (Eles calaram-se) de Khaled Benaissa e tambm o talon de Bronze com a longa-metragem “Mascarade” de Lyes Salem. A frica do Sul ganhou o Etalon d’Argent com “Nothing but the truth” de John Kani e vrios prmios para o filme “Jerusalema” de Rufth Ziman, entre os quais o da melhor interpretao masculina atribudo a Rapulana Seiphmo. O prmio da melhor interpretao feminina foi ganho pela Marroquina, Sana Mousiane, no filme “Les jardins de Smira” de Lahlou Latif. O pas anfitrio, Burquina Faso foi tambm galardoado com o prmio da Unio Europeia atribudo ao filme “Coeur de Lion” de Boubacar Diallo, entregue no Culture Colloquium filme de fico para a televiso foi ganho por Missa Ebi, que ganhou igualmente o prmio RT1 com o seu filme “Le fauteuil”. O Fespaco registou um recorde este ano com competies. Alguns deles, excepcionais, no foram premiados, o que mostra por sua vez a qualidade do festival. Por exemplo, o documentrio “En attendant les hommes” de Katy Lena Ndiaye, que conta, com toques sensuais, a histria das mulheres mauritanas que esperam os seus homens que trabalham no estrangeiro. Ou “Yand Codou, la griote de Senghor” de ngela Diabang Brener, sobre esta mulher ainda viva e forte que incarnou no espectculo toda a arte do gnio literrio e poltico. Um excelente documentrio que o assimila a uma fico de mestre. Fespaco, o lugar onde se descobrem os grandes de amanh! H.G. FESPACO 40. Aniversrio. Numa ptica de abertura e de excelncia Palavras-chaveFespaco; Cinema; frica; Uagadugu; Burquina Faso; Hegel Goutier. Festa na cerimnia de abertura do Fespaco 2009. Hegel Goutier Criatividade

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58 O “best of de Maxy (Olebile ‘Maxy’ Talvez seja a obra certa a aconselhar aos vidos por conhecer a diva do Botsuana, uma vez que compila os seus maiores sucessos desde os seus primeiros passos de destacar, neste final de ano, at que ponto a criadora frtil se tornou num cone. Maxy uma mulher de negcios sensata e, ao mesmo tempo, uma activista que apoia os doentes infectados com SIDA. , sobretudo, uma artista fantstica cuja obra assenta na msica tradicional, mas que adoptou as sensibilidades variadas do hip hop, do R&B, do rock, do pop e do gospel africano. E principalmente do jazz que recria. Delicie-se lbum, para ficar a conhecer. H.G. BRUXELAS. PARA PROLONGAR UAGADUGUAps o Fespaco, que neste ano foi colocado sob o auspcio do profissionalismo, outra festa mundana foi o Culture Colloquium de seus parceiros de outros continentes deviam elaborar uma plataforma e exprimir a sua opinio sobre a cooperao em matria de cultura. Os polticos tero de utilizar este instrumento para refinar a sua poltica na matria para os anos vindouros. Foi um dos pontos importantes da conferncia de imprensa do Director-Geral do Desenvolvimento da Comisso Europeia, Stefano Manservisi, no Fespaco, na qual participou igualmente o Ministro da Cultura de Burquina Faso, Philippe Sawadogo. Stefano Manservisi informou que a CE est a preparar, em colaborao com as autoridades burquinas, o balano de tudo o que se fez na rea da cooperao cultural com este pas. Este balano, elaborado com a colaborao de outros parceiros da Unio Europeia, dever permitir uma melhor utilizao dos recursos, que alis so limitados. “Para estabelecer este balano, ver-seigualmente tudo o que se faz na Europa. No queremos meras cpias. Vamos tambm falar da UE. Ns temos programas, como Eurimages, com grande potencial, mas devemos convert-los em posio ofensiva. Em relao ao cinema americano, deveremos passar da defensiva para a ofensiva”, explica Stefano Manservisi. Na sua opinio, a produo cultural no pode privar-se da poltica estrutural. H que ter em conta toda a cadeia, por tratar-se de um sector a montante e a jusante, sobre o qual necessrio tomar todas as decises. A plataforma e os desideratos dos participantes no colquio de Bruxelas destinam-se aos ministros dos diferentes pelouros da economia, finanas, investimento e outros, e permitiro estabelecer uma carta para a utilizao dos fundos europeus destinados ao desenvolvimento atravs da cultura. MAXY . Queen of Sands and African ethos Fogo de artifcio no encerramento da cerimnia de abertura do Fespaco 2009. Hegel Goutier Criatividade

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59 N. 10 N. E. – MARO ABRIL 2009 Lara Likar da Eslovnia est rodeada de dezenas de crianas no Lar Infantil de Kasisi, o maior orfanato na Zmbia. Dirigido por freiras polacas, alberga deram os pais devido SIDA. Ela um dos “Desenvolvimento” para Jovens, um concurso de cartazes para estudantes de idade compreenMembro da UE. A viagem de grupo Zmbia permitiu-lhes falarem sobre os problemas que o continente enfrenta e a importncia das polticas de desenvolvimento e as suas complexidades. “Tornaram-se em certa medida embaixadores do desenvolvimento”, afirmou Louis Michel, Comissrio Europeu para o Desenvolvimento e a Ajuda Humanitria. Na qualidade de antigo professor, Louis Michel tem um vivo interesse na sensibilizao dos jovens para as questes em matria de desenem conjunto com os seus professores, acompanhando-os nas visitas a alguns dos projectos, incluindo o orfanato, o museu David Livingston e um centro de formao profissional. Uma das mais interessantes experincias para os estudantes europeus foi encontrar jovens da mesma idade no liceu David Kaunda em Lusaka, capital da Zmbia. Os estudantes africanos mostraram as instalaes e rapidamente juntaram-se em animadas trocas de impresses sobre os sistemas de ensino e o dia-a-dia. “A escola aqui muito diferente, mas tambm h muitas semelhanas”, disse Helen Huges da Irlanda. O programa inclua ainda dois centros profissionais onde os zambianos aprendem ofcios, como carpintaria e canalizao, um projecto destinado a crianas da rua que lhes permite, mesmo no tendo recebido educao formal, frequentar uma biblioteca, e um projecto para mulheres vtimas de violncia domstica. Todos os projectos tinham uma forte dimenso humana, dando aos estudantes muitas oportunidades de dialogar, fazer perguntas e compreender como vivem os seus colegas zambianos. O ponto culminante foi a reunio com o Presidente da Zmbia – Rupiah Bwezani Banda. Com modos calorosos e acolhedores, falou durante mais de uma hora – mais tempo do que o habitual neste tipo de visita – respondendo a todas as perguntas. Para a maioria dos estudantes era a primeira vez que falavam com um Presidente e estavam, como bvio, um pouco nervosos. Uma viagem Zmbia no estaria completa, contudo, sem visitar a maior atraco turstica do pas – as Cataratas de Victoria. Realizada durante a estao chuvosa foi uma experincia inesquecvel com gua a cair de todo o lado – todo o grupo ficou completamente ensopado. Para participar no Prmio “Desenvolvimento” Marlene Holzner*JOVENS EmbaixadoresJOVENS Embaixadores da UE em fricaO texto seguinte uma comunicao da Comisso Europeia (Direco-Geral do Desenvolvimento)Os vencedores do Prmio “Desenvolvimento” para Jovens da UE visitaram projectos locais na Zmbia, de 3 a 7 de Maro de 2009. Atravs de visitas e reunies, tornaramse embaixadores da UE para o desenvolvimento, aptos a transmitir aos seus colegas o que aprenderam sobre questes ligadas poltica de desenvolvimento.Louis Michel, Comissrio Europeu do Desenvolvimento e da Ajuda Humanitria, com os vencedores do Prmio Europeu de Desenvolvimento para Jovens atribudo pela UE durante a sua visita Zmbia, em Maro de 2009. EC P ara os mais jovens PONTO DE VISTA

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60 Contacto: O Correio 45, Rue de Trves 1040 Bruxelas (Blgica) email: info@acp-eucourier.info website: www.acp-eucourier.infoAgenda Gostaria de agradecer a O Correio o facto de ter dado conta do dinamismo, do patrimnio e da histria da minha regio, Arago. Trata-se de uma regio, de uma comunidade autnoma que merece ser mais conhecida. Espero que este seja o primeiro artigo de uma longa srie que nos d oportunidade de nos conhecermos melhor, ultrapassando os esteretipos. Antonio L”PEZ PEA Chefe adjunto de unidade Comisso EuropeiaDG DESENVOLVIMENTO (Bruxelas, Blgica)Sou um fiel leitor de O Correio, que, para mim, mais do que uma publicao oficial; uma “enciclopdia viva”, capaz de oferecer uma multiplicidade de informaes. No nmero 9, apreciei sobretudo a contribuio de Jacques Attali sobre a crise financeira mundial e as suas consequncias em frica. Perfilho totalmente o seu ponto de vista. Com efeito, aponta que podemos ser optimistas quanto ao continente africano no que se refere crise financeira (no pondo, porm, de lado os efeitos colaterais), no s porque as economias africanas no esto integradas na economia global, mas tambm graas s suas vantagens comparativas como, por exemplo, a diminuio do crescimento demogrfico.Brian Melle (Camares) M aio de 2009 > 4-9 Sustainable Development in Africa: The Role of Higher Education (Desenvolvimento sustentvel em frica: O papel do ensino superior) Abuja, Nigria. www.aau.org> Exposio. Kampala, Uganda. > e Conferncia “Fighting Poverty. Creating Opportunities” (Erradicao da Pobreza. Criao de Oportunidades) Roma, Itlia. www.efc.be> (Aprendizagem em linha em frica www.elearning-africa.com J unho de 2009 > (Frum sobre Comrcio Agrcola International). Em parceria com a Agricultural Business Chamber of South Africa (Cmara de Comrcio Agrcola da frica do Sul), a Food and Agriculture Organisation of the United Nations (FAO) (Organizao das Naes Unidas para a Alimentao e a Agricultura) e a Fundao Rabobank. Cidade do Cabo, frica do Sul. www.emrc.be> Cooperao Cultural. Maputo, Mozambique. http://ocpa.irmo.hr/activities/meetingst> Beyond the Crisis: For a stronger, cleaner, fairer economy (Da crise recuperao: Por uma economia mais forte, mais s e mais justa). Paris, Frana> Conference on African Transnational and Return Migration for Homeland Development from the Perspectives of Euro-African Relations and Latin American Experience. (Conferncia sobre Migrao Transnacional e Circular Africana para o Desenvolvimento dos Pases de Origem na Perspectiva das Relaes Euro-Africanas e das Experincias Latino-Americanas) Universidade de Warwick, Inglaterra crer/events/african/ J ulho de 2009 > World Conference on Higher Education (WCHE+10) (Conferncia Mundial sobre Ensino Superior). A UNESCO organizar a “World Conference on Higher Education (WCHE+10)” a fim de fazer o inventrio dos progressos realizados desde a primeira conferncia em 1998. Paris, Frana. www.cepes.ro/forum/welcome.htm> Festival Internacional de Cinema de Durban). O festival apresentar cerca mundo, centrando-se em filmes da frica, em geral, e da frica austral, em especial. http://www.cca.ukzn.ac.za Maio Junho de 2009 Estamos interessados na sua opinio e nas suas reaces aos artigos desta edio. Sendo assim, diga-nos o que pensa deles.A palavraaos leitores!

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FRICA – CARABAS – PACFICO e UNIO EUROPEIA CARABAS Antgua e Barbuda Baamas Barbados Belize Cuba Domnica Granada Guiana Haiti Jamaica Repblica Dominicana So Cristvo e Nevis Santa Luca So Vicente e Granadinas Suriname Trindade e Tobago PACFICO Cook (Ilhas) Fiji Kiribati Marshall (Ilhas) Micronsia (Estados Federados da) Nauru Niue Palau Papusia-Nova Guin Salomo (Ilhas) Samoa Timor Leste Tonga Tuvalu Vanuatu FRICA frica do Sul Angola Benim Botsuana Burquina Faso Burundi Cabo Verde Camares Chade Comores Congo (Repblica Democrtica) Congo (Brazzaville) Costa do Marm Djibouti Eritreia Etiopa Gabo Gmbia Gana Guin Guin-Bissau Guin Equatorial Lesoto Libria Madagscar Malawi Mali Mauritnia Maurcia (Ilha) Moambique Nambia Nger Nigria Qunia Repblica Centro-Africana Ruanda So Tom e Prncipe Senegal Seicheles Serra Leoa Somlia Suazilndia Sudo Tanznia Togo Uganda Zmbia Zimbabu UNIO EUROPEIA Alemanha ustria Blgica Bulgria Chipre Dinamarca Eslovquia Eslovnia Espanha Estnia Finlndia Frana Grcia Hungria Irlanda Itlia Letnia Litunia Luxemburgo Malta Pases Baixos Polnia Portugal Reino Unido Repblica Checa Romnia Sucia As listas dos pases publicadas pelo Correio no prejulgam o estatuto dos mesmos e dos seus territrios, actualmente ou no futuro. O Correio utiliza mapas de inmeras fontes. O seu uso no implica o reconhecimento de nenhuma fronteira em particular e tampouco prejudica o estatuto do Estado ou territrio.

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Revista gratuita ISSN 1784-682X